segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Apanhador no Campo de Centeio - J. D. Salinger


Jerome David Salinger (1919-2010)
 Americano
Existem certos autores que conseguem descrever até uma barra de ferro e extrair uma boa história. O J. D. Salinger em O Apanhador no Campo de Centeio é um desses. 

Como sempre, não procurei saber do que o livro se tratava e como de usual tive uma ótima surpresa. Sabia vagamente que o livro era considerado um best-seller, mas só isso. Por isso quando dei de cara com ele na feira de Antiguidades da Praça XV, sendo vendido a R$1,00 (eu juro!) eu quase desmaiei lá mesmo. No momento que olhei para aquele livro sabia que havia algo de especial nele. Tantas pessoas por aquela banca passaram, mas eu fui a escolhida. 

Dos últimos livros que li, esse foi o mais agradável e divertido, o tipo de obra que você seguiria lendo por dias e dias à fio, quantas páginas houvessem. Inicialmente, esperava um romance bem dramático, com uma narrativa densa e enredo intrincado. Esquece, o livro não oferece nada disso.
O narrador está em primeira pessoa, é o personagem Holden Caulfield, um rapaz de 17 anos que acabou de ser expulso do internato em que estudava, por ter sido reprovado em quase todas as disciplinas. O personagem possui um ponto de vista bem diferente, e é sempre um tanto sarcástico nas suas colocações. Um humor inteligente, questionador e pungente é a marca registrada na fala do rapaz, que não gosta de cinema, teatro e odeia brigas. Me pareceu um adolescente incomum pela capacidade de ler a sociedade, as pessoas e a si próprio com tanto realismo. As coisas as quais presa, e até as que não presa são seguidas de explicações excepcionais, mas possíveis. Ao dizer que não gosta de teatro, por exemplo, explica suas razões: “Para ser franco, não gosto muito de teatro. Não é tão ruim quanto o cinema, mas não é coisa que me faça vibrar. Pra começo de conversa, detesto os atores. Nunca se comportam como gente normal. Só pensam que se comportam. Alguns dos bons conseguem, mas ligeiramente, e de uma forma que não da prazer de ver.” Obviamente não deixa de ser o ponto de vista de um adolescente, meio confuso e perdido, mas é isso que é tão gostoso no livro: permite que você se lembre da sua juventude e recorde os seus antigos dilemas existenciais. Mas sem aquela imersão filosófica-espiritual-acusadora à la Paulo Coelho, a imersão é bem leve, até engraçada. O livro é bem espirituoso. A mim, o rapaz me parece bastante normal, mas o seu jeito de encarar e levar à vida assusta os adultos que o permeiam, tudo bem, em 1951 (data em que foi publicada a obra) esse tipo de comportamento em adolescentes não deveria ser mesmo muito comum. 

Voltando a história do livro, depois que é expulso do internato as vésperas do Natal, o rapaz pega sua mala e vai em direção à Nova York, onde fica sua casa. Contudo, como seus pais ainda não receberam a notícia da expulsão ele prefere ficar perambulando pela cidade até chegar a hora de retornar para casa. Esses dias sozinho rendem algumas enrascadas, encontros, desvarios e um certo esgotamento físico. FIM. É, a história é basicamente isso. E aí você fica se perguntando: É esse o tal livro maravilhoso? Mas calma, leitor, vou me explicar. Uma coisa que aprendi é que o mais encantador em relação aos livros é a maneira como a história é contada, e não necessariamente a história em si. Tem gente que gasta páginas e mais páginas para ficar contando histórias cheias de detalhes que não te interessam e no fim você pensa: e daí? (Machado de A., eu juro que não vou citar teu nome). Por isso o exemplo da barra de ferro. O Salinger consegue pegar uma “barra de ferro” e narrar de maneira tão fabulosa, detalhada, tão humana que conseguiu construir uma obra-prima de apenas 190 páginas. O único erro ao meu ver é que o livro deveria ter ao menos umas 300 páginas, de tão bom que é. Acho que ele deveria ter se prolongado mais. De qualquer forma, acho que essa pequena historinha é o charme do livro. É como uma música de 2 estrofes: te força ouvir mais de uma vez. Ninguém ouve faroeste caboclo 5 vezes. Isso é bem verdade. 

Outra coisa que me encantou no livro, muitos podem achar loucura: eu achei o estilo de escrita do Salinger no “Apanhador...” muito próximo ao do Bukowski. (!) Me explico: em primeiro lugar, os dois são desbocados, vivem usando gírias e palavrões, embora isso nunca se torne uma coisa agressiva da maneira como eles fazem (pelo menos para mim). Segundo lugar, apesar das suas colocações serem sempre um tanto cortantes e anti-sociais, eles mantém o elemento humano mais pungente do que qualquer humanista. Ou seja, eles chegam ao fundo do ser humano arrancando o que há de incomodo, sarcástico, controverso e puro. Sei que é loucura comparar os dois, principalmente porque não li mais nada do Salinger (ainda). Mas a comparação tinha que ser feita. 

Ouvi dizer por que o livro está na lista dos 100 melhores de língua inglesa escritos desde 1923. Ouvi dizer que é um livro que auxilía na formação dos jovens, que é um hino da juventude e tudo mais. Ao meu ver, é um exagero. Não acho que o livro tem o poder de influenciar ou de identificação que delegaram a ele. Acho sim, que é um livro muito bem escrito, que deveria ser lido por qualquer um em qualquer idade. É uma leitura, gostosa, fácil, comovente. Acho mesmo que merece estar entre os 100 melhores, e que principalmente os adolescentes podem adorá-lo. Agora descobrir que um livro como esse, foi capaz de influenciar alguém a matar o John Lenon é um pouco demais. 

 Ficou curioso? Para entender a história do John Lenon ou se o assunto continua a te interessar veja essa resenha aqui.
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O 1º parágrafo do livro:

Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lengalenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins - não é isso que estou dizendo - mas são sensíveis pra burro. E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. Só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu no último Natal, pouco antes de sofrer um esgotamento e de me mandarem para aqui, onde estou me recuperando. Foi só isso o que contei ao D.B., e ele é meu irmão e tudo. Ele está em Hollywood. Não é muito longe deste pardieiro, e ele vem me visitar quase todo fim de semana. Quando eu voltar para casa, talvez no mês que vem, é ele quem vai me levar de carro. Comprou há pouco tempo um Jaguar, um desses carrinhos ingleses que fazem uns trezentos quilômetros por hora e que custou uns quatro mil dólares. D.B. agora vive nadando em dinheiro,mas antigamente a coisa era outra. Quando morava conosco era apenas um escritor. Se é que nunca ouviram falar nele, foi D.B. quem escreveu aquele livro de contos fabuloso, O Misterioso Peixinho Dourado. O melhor conto do livro era a estória do garotinho que não deixava ninguém ver seu peixe dourado, só porque o tinha comprado com seu próprio dinheiro. Achei o máximo. Agora D.B. está em Hollywood, se prostituindo.Se há coisa que eu odeie, é cinema. Não posso nem ouvir falar de cinema perto de mim.


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