quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Comédia Humana – William Saroyan

William Saroyan (1908-1981)
Americano

O que você esperaria de um livro chamado A comédia humana? Uma descrição irônica do ser humano? Um relato sobre a desgraça alheia? Uma colocação mordaz da maldade dos homens? Nada disso. Nem de perto. William Saroyan. William Saroyan é um grande otimista, meus caros.

A verdade é que esse livro publicado pela primeira vez em 1942 poderia e ao mesmo tempo jamais poderia ser sobre a desgraça humana. Porque embora o pano de fundo seja a guerra (o que há de pior no homem), o livro relata justamente o oposto. Ele mostra pessoas que conseguem sobrepor a maldade com amor. Quer tema mais poderoso que esse? Portanto, no final das contas eu acho que o livro tem esse nome porque o seu autor é tão otimista que não poderia nomear um livro seu, como A desgraça humana, por exemplo.

Apresentando a história 

O livro trata da família americana Macauley, constituída pela mãe (Mrs. Macauley), um filho mais velho (Marcus), um filho do meio (Homero), uma filha (Bess) e um filho menor (Ulisses). O pai morreu quando Homero – o personagem central – ainda era pequeno. Quando o irmão mais velho Marcus é enviado para a Guerra, Ulisses começa a trabalhar como estafeta do telegrafo local, a cidadezinha de Ítaca, Califórnia. Em volta de Homero existem muitos outros personagens interessantes, que sempre ensinam algo para o menino. Acredito que uma boa maneira de apresentar os personagens seria colocando uma frase de cada um, então lá vai:

Mrs. Macauley (a mãe) – “Você deve dar a todos que entrarem em sua vida. Então, nada nem ninguém terá o poder de privá-lo de alguma coisa, pois, se você der a um ladrão, ele não poderá roubar de você, e ele próprio já não será um ladrão. E, quanto mais você der, mais terá para dar.” (pág.24)
Bess (a irmã) – “Acho que não temos cortiços em Ítaca – disse Bess -, só gente pobre. Acho que temos uma espécie de governo municipal, mas me parece que a politicagem por aqui é bem pouca.” (pág.117)
Homero (o personagem principal) – “Vou ficar vigiando o tempo todo. Vou ficar pensando a respeito disso o tempo todo. Isso faz um camarada se sentir triste, mas não me importo. Somos uma gente feliz, é verdade, mas somos resistentes também. Não me importo de ficar triste. Importo-me a respeito de gente que não é resistente e que fica triste e magoada, e me parece que o mundo está cheio de gente assim.” (pág 133)
Mr. Spangler (o gerente da agência telegrafica) – “Os cemitérios e as penitenciárias estão cheios de bons rapazes americanos que têm tido má sorte e dias infelizes. Não são criminosos.” (pág 139)
Mr. Grogan ( o telegrafista) – “ Ninguém morre por nada.Todos  morrem procurando a graça, a imortalidade, procurando verdade e a justiça,e, um dia, esse grande corpo do homem, que somos todos nós, sem qualquer exceção, conseguirá o que quer (...)” (pág 123)
Miss Hicks (a professora) – “Antes que você avance muito no mundo, muitas vezes ouvirá gargalhadas, e não só gargalhadas dos homens, mas o riso de mofa das próprias coisas, procurando embaraçá-lo e fazê-lo recuar; mas sei que você não  prestará atenção a esse riso.” (pág 72)
Auggie (o jornaleiro) – “Quantos anos a gente tem de ter para não ser mais criança? – disse Auggie. – Quantos anos a gente tem de ter para poder tomar conta de si próprio, ou para fazer qualquer trabalho que queira?” (pág 94)
John (o estrangeiro/assaltante) – “Sempre fui inquieto e insatisfeito – disse o rapaz. – Não sei o que é. Nada tem significação para mim. Não gosto dos outros. Não gosto de estar perto deles. Não confio neles. Não gosto da maneira por que vivem ou falam, ou das coisas em que acreditam, ou da maneira porque se empurram uns aos outros.”(pág 140)
Lionel (amigo de Ulisses) – “ A gente não pode saber o que diz um livro, Ulisses, a não ser que saiba ler, e eu não sei ler – disse ele.” (pág 187)

Minhas impressões:

Como sempre eu não sabia do que se tratava a história do livro, o autor não me foi indicado por ninguém que não o Bukowski, que vez ou outra citava o seu nome. Mas hoje posso afirmar que esse livro está no hall das obras primas americanas para mim. A escrita do Saroyan é leve, simples e bem organizada. Na leitura, o sentimento que prevaleceu foi a felicidade. Embora ele me tenha feito pensar em todo esse horror que é a Guerra, um tipo de acontecimento que não interessa a nenhum cidadão, um melindre no qual os verdadeiros interessados nem chegaram a sentir o cheiro das trincheiras.
Homero possui um modo simples e positivo de encarar a vida. Tendo um irmão na guerra e estudando e trabalhando ao mesmo tempo para sustentar a família, o menino de 14 anos não se sente injustiçado. Ao contrário, Homero se sente feliz por poder ajudar, e pedalar para cima e para baixo entregando cartas e conhecendo pessoas. Embora sofra muito ao entregar as cartas do Ministério da Guerra, um tipo de informativo de morte entregue às famílias. Os trechos em que ele pedala e chora, pedala e chora, ainda são cenas nítidas comigo. A dor, o trabalho e a guerra fazem o pequeno Homero amadurecer. Um pouco como a adolescência de qualquer um: o primeiro contato com a maldade: você remexe a coisa, mas ainda não sabe bem no que está mexendo.
Outra lição é a maneira como a família Macauley lida com a morte. Pois o falecimento do pai não soa como um evento traumático na vida familiar, já que a mãe faz questão de deixar claro que o pai está com eles, que a presença pode ser sentida e que um dia todos se reunirão no céu. Aliais, eu juro por Deus, que se minha mãe fosse como a Mrs. Macauley eu seria uma mulher muito mais sã hoje em dia. Muitas vezes me deu vontade  de levar o livro até a minha mãe e falar para ela: _ Lê isso aqui! Olha como ela fala!_ Porque você não é assim? – Mas tudo bem eu entendo que a Mrs. Macauley é uma personagem saída da cabeça do Saroyan (teoricamente ela é o próprio Saroyan), então eu acho que pegaria um pouco mal pedir pra ele ser minha mãe. 
Em suma, o mais legal do livro inteiro é que a lição permanente sobre o otimismo e a bondade dos personagens não parece uma bobagem sentimental. Muito pelo contrário, é a bondade que literalmente salva essas pessoas. As salva da morte, da dor, do medo, enfim da própria infelicidade. O ódio e o medo são como doenças contagiosas e duradouras, portanto resistir e assumir a bondade como uma bandeira, não é algo fácil de se fazer. Um dos trechos que mais me marcaram nesse sentido foi esse aqui. Admito que não foi fácil tirar de mim a sensação de que aquelas atitudes e palavras eram absurdas, e ao mesmo tempo o que desejava para o mundo é que todos os seres humanos fossem e se tratassem assim.
Enfim, os tempos de Guerra foram difíceis. Acho que eu e a minha geração não podemos sequer calcular o nível da devastação psicológica, física, social, econômica e cultural que ela representa. Portanto, uma família que em meio a Segunda Guerra Mundial, após a perda do pai, e com um filho no campo de batalha ainda consegue manter o caráter, o respeito e o amor pelo próximo é um tanto assustador. É ao mesmo tempo uma lição de moral pelo exemplo, e uma espécie de utopia para os tempos modernos.  

 Obrigado pela lição de otimismo Saroyan, pois apesar de você ter me deixado envergonhada pela minha fraqueza, você me ensinou umas coisas e outras sobre a felicidade.

“Se um homem não chorou diante da dor do mundo, ele é menos que o pó por onde anda, pois o pó nutre a semente, a raiz, o caule, a folha e a flor, mas o espírito do homem sem piedade é estéril e nada pode produzir... ou produz só orgulho que mais cedo ou mais tarde levará ao assassínio de uma ou outra forma... o assassínio das coisas ou mesmo o assassínio de vidas humanas.” (pág 173)




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