sábado, 4 de janeiro de 2014

Resenha: Os Monólogos da Vagina - Eve Ensler



Falar sobre vaginas não é fácil, mas Eve Ensler provou que pode ser muito engraçado e libertador. Enquanto para as mulheres a leitura reforça o emponderamento do seu sexo, para os homens oferece a possibilidade de desvendar curiosidades da intimidade feminina. Então, é difícil para qualquer um não se sentir estupefato e reflexivo, diante de um tema raramente abordado com tanta franqueza.

Ensler realizou ao longo de 5 anos mais de 200 entrevistas com mulheres dos mais variados tipos: velhas, jovens, casadas, solteiras, lésbicas, professoras universitárias, atrizes, etc. Inspirada nessas entrevistas ela escreveu uma peça chamada Os Monólogos da Vagina (The Vagina Monologues),  que por conseguinte deu origem à esse livro. A peça é emocionante, engraçada e universal. Por esse motivo ela já foi produzida em mais de 150 países e traduzida em mais de 50 idiomas!


























"Eu estava preocupada com a questão das vaginas,  preocupada com o que pensamos a respeito delas,  e, mais ainda com o fato de que não pensamos nelas..."

A peça foi trazida para o Brasil pela primeira vez em 2000. Em 2006 foi interpretada pela Mara Manzan, Fafy Siqueira e Vera Setta na cidade onde moro, Niterói  – na época eu tinha apenas 16 anos e nem conhecia os Monólogos, quiçá o feminismo – mas lembro que o nome ficou gravado em mim – a ponto de agora eu conseguir fazer essa conexão.


Todas as menininhas ­­também deveriam ser capazes de ligar a "coisa" ao seu verdadeiro nome e de estabelecer suas próprias conexões de modo instantâneo. Mas em pleno século XXI ainda não são, porque  quase nunca dizem a palavra "vagina", talvez porque suas próprias mães não consigam. Infelizmente, os pais acabam por invisibilizar a palavra, apelidando as vaginas carinhosamente com diminutivos como "periquitinha, liliquinha, pererequinha, lindinha, etc.  Ou seja, desde pequenas sabemos que existe algo “lá embaixo”, mas não pensamos muito sobre o assunto, e seguimos a vida normalmente.

A autora trata sobre esse fenômeno e muitos outros, propondo um  diálogo sobre a genitália feminina - tentando desvendar o porquê desse órgão ser sistematicamente tão reprimido: verbal, emocional e fisicamente. Afinal, não se ouve falar em vaginas em lugar nenhum – na  TV, no rádio, nos botecos e  nem sequer no banheiro feminino. As mulheres não tocam suas vaginas em público - como os  homens fazem com o seu respectivo sexo. Os traumas, mutilações, doenças e abusos sexuais que acometem as mulheres tendem a ser silenciados por elas mesmas e pelos outros, como se fossem pouco importantes.   

"Eu digo a palavra porque acredito que aquilo que não dizemos nós também não vemos, não reconhecemos ou não lembramos. O que não dizemos se transforma num segredo, e segredos, muitas vezes, criam vergonha medos e mitos."

A autora mostra a força dessa “negação vaginal” utilizando um viés ora engraçado - citando os milhares de apelidos criados para o genital,  ora denunciante -  relatando os casos brutais de estupros que ocorreram na Bósnia, como estratégia de guerra, na década de 90 e das mais de 100 milhões de meninas e mulheres ao redor do mundo que tiveram seus genitais mutilados.





Infelizmente, para quem já viu a peça ou o documentário da HBO sobre os Monólogos, o livro não passa de uma simples transcrição. Ao menos assim a ordem dos fatores não atrapalhará a fruição: ler o livro antes ou depois da peça/documentário não atrapalha. Eu diria que pelo contrario, um complementa o outro,  o que geralmente é raro. Uma pena que o livro não seja tão  vibrátil e apaixonado como a autora no palco - embora cumpra sua função de registro escrito.


No final da leitura ficamos com aquele gosto de perguntas não respondidas na boca. Quem sabe dialogando a gente consiga descobrir porque:

Temos vergonha de pronunciar, ouvir e ler a palavra vagina.


A palavra ainda é censurada em vários meios de comunicação.

Tantas mulheres ainda desconhecem a aparência do seu próprio genital e as formas de obter prazer a partir dele.


Milhares de meninas ainda são submetidas a castrações que as deixam mutiladas e marcadas em nome da pureza.

E por último, a pergunta que não quer calar: se essa parte da anatomia feminina é tão suja, vergonhosa e invisível como fazem parecer - porque todo mundo ainda tem tanto medo de falar sobre dela?



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