terça-feira, 6 de março de 2012

William Saroyan

Como vai? – disse Spangler, lembrando-se do rapaz. – Pensei que há muito você tivesse ido de volta para sua casa em Pensilvânia. Sua mãe mandou-lhe o dinheiro. Não  precisa voltar para me pagar.
- Não voltei para lhe pagar – disse o rapaz. – Voltei para arranjar mais, e não vim implorar. – Tossiu.  – Vim tirá-lo.
- Que é que há com você? – disse Spangler.
- É isto que há comigo – disse o rapaz.
Tirou um revólver do bolso direito o paletó e segurou-o na mão trêmula. Thomas Spangler, ainda um pouco bêbado e feliz, não podia compreender.
- Vamos – disse o rapaz. – Dê-me o dinheiro.... todo o dinheiro que tiver nesse lugar. Todo o mundo está se matando e não me incomodarei se tiver de matá-lo. E não me incomodarei se me matarem. Estou excitado e não quero nenhuma complicação, mas, se você não me der o dinheiro, agora, atirarei. Dê-me o dinheiro, e depressa.
Spangler abriu a gaveta da caixa e tirou o dinheiro dos diversos compartimentos. Colocou o dinheiro – notas, rolos de moedas e moedas esparsas – no balcão, diante o rapaz.
- Eu lhe daria o dinheiro, de qualquer forma – disse ele – mas não porque você está me apontando uma arma. Eu lhe daria o dinheiro porque você o necessita. Tome. É todo o dinheiro que tenho. Leve-o e tome um trem e vá para casa. Volte para onde o querem. Não darei parte do roubo. Cobrirei a retirada. Há cerca de setenta e cinco dólares aqui.
Esperou que o rapaz apanhasse o dinheiro,mas o rapaz não o tocou.
- Sinceramente – disse Spangler. – Apanhe o dinheiro e vá... você precisa. Você não é um criminoso, e não está tão doente que não possa ficar bom. Sua mãe está a sua espera. Este dinheiro é um presente meu para ela. Você não será um ladrão por levá-lo. Apanhe o dinheiro, jogue fora essa arma e vá para casa. Jogue fora a arma... você se sentirá melhor.
O rapaz pôs a arma outra vez no bolso do paletó. Sobre a boca trêmula, colocou a mão que segurara a arma.
- Eu devia ir e meter um tiro na cabeça – disse ele.
- Não fale como um tolo – disse o gerente da agência telegráfica. Reuniu o dinheiro e estendeu-o para o rapaz. – Tome – disse. – É todo o dinheiro que há. Tome-o e vá para casa, só isso. Se quiser deixe a arma aqui comigo. Tome o seu dinheiro. Sim, seu... é seu, ainda que você tenha de tirar uma arma para arranjá-lo! Sei como você se sente, porque já me senti da mesma maneira. Nós todos já nos sentimos da mesma maneira. Os cemitérios e as penitenciárias estão cheios de bons rapazes americanos que têm tido má sorte e dias infelizes. Não são criminosos. Aqui – disse ele gentilmente -, tome este dinheiro. Vá para casa.
O rapaz tirou a arma do bolso e empurrou-a pelo balcão até Spangler, que  deixou cair na gaveta da caixa.
- Não sei quem você é – disse ele – mas ninguém até hoje me falou dessa maneira. Não quero a arma, e não levarei o dinheiro, e vou para casa. Vim até aqui de carona e voltarei de carona. – Tossiu um momento e disse então:
_ Não sei onde mamãe arranjou os trinta dólares. Sei que ela não os tem de sobra. Gastei algum bebendo, joguei outro tanto, e ...
- Entre aqui e sente-se disse Spangler.
Depois de um momento, o rapaz dirigiu-se à cadeira ao lado da mesa de Spangler. Spangler sentou-se na mesa.
- Que é que o está preocupando? – disse para o rapaz.

trecho de A Comédia Humana, pág 138-140







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