sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O PERFUME - Patrick Süskind

Patrick Süskind (1949-)
Alemão
Você já reparou em quantos cheiros o envolvem nesse momento? O seu cheiro, o cheiro da sua roupa, da madeira dos móveis, da poeira, talvez incensos …. Bem eles estão no ar, mas quase sempre esquecemos de cheirá-los junto à respiração.
Os odores são o tema principal do livro de Süskind. Essa narrativa que remete ao século XVIII conta desde o nascimento a história de Jean-Baptiste Grenouille, um homem que possui uma percepção olfativa sobre-humana. “Aos seis anos, já havia captado olfativamente todas as suas redondezas. Não havia na casa de Madame Gaillard nenhum objeto, na Rue de Charonne, ao norte, não havia lugar, ser humano, pedra, árvore, arbusto ou cerca de ripas, nenhuma superfície, por menor que fosse, que ele não conhecesse pelo cheiro…” (pág.30). Um pouco mais velho Grenouille podia perceber individual ou conjuntamente todos os cheiros da cidade de Paris. Conseguia, portanto cheirar individualmente cada pessoa ou a rua como um todo. “Misturavam-se odores de pessoas e de animais, vapores de comidas e de doenças, de água e pedra e cinza e couro, de sabão e de pão recém-assado e de ovos fritos no azeite, de massas e de latão esfregado até o branco, de salva e cerveja e lágrimas, de gordura e de palha molhada e seca. Milhares e milhares de odores constituíam um mingau invisível, que enchia a garganta das ruazinhas…” (pág. 38).
Pessoalmente eu acreditava que leria a história de uma espécie de serial killer, muito inteligente e até mesmo atraente. Esperava, portanto, uma espécie de triller cheio de suspense e mortes sangrentas. Sabe aquele ditado: não julgar o livro pela capa? Eu deveria ter feito isso.
Assassinatos não são o enfoque deste livro. O personagem não é atraente, sanguinário ou bonitão. O livro é uma espécie de biografia do tal assassino Grenouille (que aliais só é assassino, assim dizendo, por necessidade) retratando em minúcias o seu dom natural para sentir odores. Orfão que causava ojeriza em qualquer ser humano, Grenouille cresceu sem aprender sobre qualquer sentimento, moral ou temor. Matava suas vitimas, portanto, como quem mata uma formiga: sem culpa ou emoção. Apenas para alcançar seu objetivo: captar o cheiro delas. A possibilidade de existência de um ser humano tal, bastou para me deixar arrepiada. A falta de traços humanos do personagem beira o impossível. Ele não tem pena, compaixão, medo, ambição, orgulho, não ama, não sente solidão, não tem sequer desejos sexuais. Não é sem motivo que o autor se refere à ele como um “carrapato” que faz apenas aquilo necessário à sobrevivência. Essa falta de humanidade é inquietante e ao mesmo tempo atraente.
Mas ainda sim acho que o protagonista é só uma desculpa para falar sobre a capacidade olfativa. Como uma necessidade do autor de colocar um holofote sobre os cheiros e a capacidade de cheirar. Afinal, temos que concordar que não é uma temática muito convencional. Não é sequer um assunto em que pensamos com regularidade.
Acredito ser o olfato um dos sentidos utilizados com menos consciência pelos seres humanos. Ele só é requisitado quando colocamos perfume, quando a comida está queimando na panela, ou quando pela manhã passamos em frente à padaria. Contudo, retirando os momentos em que o cheiros se impõem a nós, passamos por eles despercebidos. Acho que indiretamente o livro nos traz essa percepção.
O mais paradoxal, no entanto, é que ao contrário dos outros quatro sentidos, o olfato é o único exercido 24 horas por dia. Mesmo dormindo continuamos respirando, continuamos, portanto, cheirando. Bem, quem sabe se a desatenção aos cheiros não é justamente um mecanismo de defesa do organismo? Afinal, ficou evidente pela história de Grenouille que um olfato muito apurado pode ser a salvação e também a danação de um sujeito.
Voltando à história, o único desejo do personagem era transformar em perfumes os melhores cheiros do mundo: o cheiro de uma maçaneta, de madeira, de uma jovem. Para ele tanto fazia a forma ou utilidade do objeto ou pessoa, ainda menos o seu valor ou utilidade social. O que importava era o cheiro que esta coisa possuía.  Prova da sua falta de interesse em desejos mundanos foi que durante a história o personagem teve inúmeras chances de se tornar rico e influente através do seu dom. Muitos perfumistas as suas custas, aliais se tornaram. Em um trecho da história chega a se isolar em uma montanha se alimentando apenas de musgo e animais mortos e dormindo sobre a pedra. Impressiona a maneira como Grenouille não se importa com nada, com exceção dos cheiros no mundo.
De que ele é um assassino pouco nos lembramos, tanto porque as mortes só começam a ocorrer bem no final do livro. O que fica martelando na cabeça é essa obstinação de recolher os cheiros e a sua incrível capacidade olfativa, a ponto de se guiar pelo espaço através dela. Como um super-herói com seu poder especial. Grenouille percebe o mundo através do nariz e não dos olhos. O olfato é sua arma. Um carrapato-herói.
Deu até uma pontada de inveja pensar em um ser humano possuidor desse dom. Engraçado é que o personagem se vangloriou disso para mim, como se pudesse possuir a beleza do mundo de forma mais completa do que eu. Grenouille, você não existe! O final do livro é um acontecimento absurdo e caótico induzido pela influência de um cheiro perfeito. Assustou. Se fosse verdade, se um dia nascer um Grenouille, eu espero que ele seja muito amado e adentre meu quarto só para me ofertar belos perfumes.
BAIXE O LIVRO AQUI
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O FILME
Eu comprei o livro por saber que existia um filme sobre o mesmo, o qual me foi muito elogiado. Esperei, porque sempre prefiro ler a obra primeiro. Mas para quem acha que a ordem dos fatores não altera o produto acho que vale a pena assistir o filme.
Perfume – A História de um Assassino (The Story of a Murderer)
Lançamento: 2006. Direção: Tom Tykwer. Atores: Ben Whishaw, Alvaro Roque, Franck Lefeuvre, Birgit Minichmayr.


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