terça-feira, 23 de abril de 2013

A Pomba - Patrick Süskind

Nas últimas semanas passei por uma fase de leituras insatisfatórias. Era mal começar a ler um livro, para largar no meio do caminho e iniciar outro, que também acabava abandonando, em um ciclo sem fim. Se foi falta de sorte ou de paciência eu não sei. O que importa é que a maré de azar se foi, graças ao Süskind. 

Como sempre, tenho que contar a história de como esse livro chegou em minhas mãos, porque isso sempre prova como eles me escolhem e não o contrário. Bem, estava eu saindo do trabalho quando divisei na calçada um casal meio indie com vários livros espalhados no chão em cima de uma toalha - bem na esquina da Visconde de Ouro Preto com a Praia de Botafogo, dá pra crer? – tipo Zona Sul da cidade e eu quase me senti em Maromba. De toda forma, eu que não sou boba nem nada, fui dar uma conferida. E eis que de surpresa e de maneira despretensiosa fui escolhida. Primeiro porque eu me deparei com um exemplar de As Flores do Mal do Baudelaire (#comoignorar?) e logo depois com A Pomba (não conhecia, mas já tendo lido “O Perfume” eu sabia que o autor era bom). Então pela bagatela de 20 mangos arrematei os dois, a dona dos livros deu uma choramingada por perder tão lindas espécimes e eu fui para casa feliz ( Ta, ta, eu sei que minha estante já está levantando bandeira branca, mas não deu para não comprar). 

Decidi começar lendo a A Pomba, porque Flores do Mal é poesia, e poesia é coisa complexa. Mas mesmo assim rolou aquele medo: Será que este será o próximo que vou largar de lado? 

Claro que não, porque é simplesmente impossível largar essa maravilha da literatura. Aliais, afirmo muito bem o contrário: esse é o tipo de livro que você raciona a leitura para que ela não acabe nunca. O Süskind tem um talento nato para narrativas. Além de muito detalhista (sem ser enfadonho), ele faz com que você seja capaz de entrar no personagem, pensar como ele e partilhar exatamente todos os sentimentos descritos. É impressionante! Quando as pessoas costumam relatar a mágica dos livros, sempre mencionam a capacidade que eles tem de nos levar para outras dimensões, de vivenciar outras histórias e sentimentos. Mas quem é leitor assíduo bem sabe que nem sempre é assim. Muitas vezes ficamos como que “leitores-raimundo”: um pé na história e outro no mundo. Não é todo escritor que tem a capacidade de desconectar seus leitores da realidade, e fazerem estes mergulharem de corpo e alma no livro. Pois bem, afirmo que Süskind consegue, pelo menos para mim – afinal isso é sempre muito relativo. O que ao menos é certo é que ele consegue pegar um enredo aparentemente simples e transformar numa espécie de épico, graças a sua infindável capacidade de captar a alma humana e descrevê-la em termos completamente acertados. Bom vocabulário, boa narrativa, concisão e profundidade – eu diria que são essas as qualidades que fazem de qualquer livro um clássico. 

Basicamente a história gira em torno do personagem Jonathan Noel, o tipo de pessoa que detesta surpresas e emoções fortes. O sujeito mora a 30 anos no mesmo lugar, desempenhando a mesma profissão e realizando as mesmas atividades rotineiramente. Mas tudo muda quando em uma manhã ele se depara com uma pomba branca na sua porta, e é acometido de pavor pelo animal, que lhe parece um tipo de mau agouro. Daí se desenrolam uma série de acontecimentos de puro azar e descontrole. 

Acredito que podemos interpretar o aparecimento da pomba, como uma metáfora sobre a tragédia pessoal. Sobre uma desgraça particular que nos acomete à vida em dado momento e à qual se sucedem uma série de outras. Da maneira como a cena é contada, nos parece absurdamente estúpido um ser adulto temer uma pomba. Mas nossos problemas não são justamente assim? Não parecem sempre bobos e diminutos ao olhar alheio? Quando recontamos uma tristeza ou um problema, eles sempre parecem menores do que de fato foram para nós. Mesmo uma pessoa regrada e rotineira, em algum ponto da existência terá de enfrentar algo inesperado. Afinal, quem nunca passou por um evento traumático ou desconfortável o qual por ser tão desgraçado acarretou uma série de outros? Exatamente como uma fileira de dominós: basta derrubar a primeira peça para que todas caiam em seguida. Porque desgraça nunca vem sozinha. Se algo ruim acontece, é bem provável que venha mais para acompanhar. E esse belo somatório de episódios geralmente se tornam fortes o suficiente para nos desestabilizar e fazer questionar o significado da vida, felicidade e segurança. 

O livro narra o período de um dia, talvez o pior da vida de Jonathan Noel. Quem sabe, apenas tanta desgraça reunida consiga ser longa o suficiente para compor um livro. Que ainda assim, consegue ser curto o bastante para nos fazer desejar mais. Esse é o talento de Süskind, expor em forma de narrativa algo  tão  abstrato como a vida e os sentimentos. A história de um único dia rende um exemplar também único de livro. Essas são as tipicas desGRAÇAS da vida: o dia mais triste é sempre o mais longo, o livro mais gostoso é sempre o mais curto.

Falando com as águas - Ariana Mendonça

Stephen King


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