domingo, 23 de fevereiro de 2014

Resenha: Jogos Vorazes - A Trilogia - Susanne Collins


Quem acompanha as resenhas do blog deve ter percebido que nunca resenhei um livro que seja best-seller. Raramente acompanho os lançamentos literários, já que prefiro perambular pelos sebos a procura de livros antigos. Então quando me interesso por algum, geralmente é porque ele foi adaptado para o cinema. E foi justamente isso que aconteceu dessa vez.

Quando adaptaram o primeiro livro da trilogia para o cinema o nome me chamou muita atenção: Jogos Vorazes. Lembro de ter visto um cartaz do filme, com uma menina empunhando um arco e flecha e pensado: “Nossa, uma menina como protagonista e portando um arco e flecha... que diferenteAinda assim, não cheguei ir ao cinema para conferir. Só que um tempo depois acabei baixando o filme. E fiquei eletrizada. Logo depois assisti ao segundo filme (como podem notar descobri a Trilogia com anos de atraso). Mas ainda estava relutante em comprar os livros. Acho que nunca paguei por um livro que estivesse em tamanha evidência. Tenho realmente uma relutância imbecil ao que é popular. 
E foi então que tive uma mãozinha do destino. Fui lesada pelo Submarino e como reparo ganhei um vale de R$ 60. Primeira coisa em que pensei foi em livros, mas na época o box da trilogia custava R$ 100. Eu podia completar o valor, mas não queria dar esse prazer para uma empresa que me lesou. Então esperei para vencer no cansaço. Em menos de um mês eles baixaram para R$70 . Por mais miserável que eu fosse, R$10 nunca matou ninguém.



Os três chegaram lá em casa dia 06/01. No dia 28/01 quando comecei à escrever essa resenhaapós terminar as leituras, estava com saudadesum aperto no peito e uma boa dose de depressão pós-livro. Mas estou feliz, porque valeu muito a pena. Embora a qualidade da tradução seja mediana, e a revisão tenha realmente deixado a desejar com várias letras sobrando e faltando nas frases.
Vou então resumir o primeiro livro logo abaixo e depois descrever a quantidade de coisas que passaram pela minha cabeça durante o segundo e o terceiro livro. Para enfim, explicar o porquê da trilogia ter despertado minha atenção, rendendo inclusive uma resenha absurdamente grande aqui no blog. 



Jogos Vorazes (com spoilers):

Após o fim da América do Norte, surge uma nova nação, chamada Panem. Essa nova nação é formada por 12 distritos que são controlados pela Capital - os distritos são pobres, sem esperança e assolados pela fome. forma que a Capital utiliza para demonstrar seu poder é através dos Jogos Vorazes, uma competição anual transmitida ao vivo pela televisão, em que uma garota e um garoto de doze à dezoito anos de cada distrito são eleitos e lançados em uma arena para brigar até a morte - até que somente um saia como vencedor. 

A história é contada a partir do olhar da personagem principal, chamada Katniss. Quando sua  irmã menor é eleita na Colheita dos Jogos Vorazes ela se oferece para ir no lugar. Katniss sabe como caçar - ainda que seja ilegal atravessar a cerca eletrificada que separa seu distrito da floresta - uma vez que é proibido caçar e colher nas florestas de Panem. Contudo, após a morte do pai Katniss se vê obrigada a tal, pois precisa alimentar a sua mãe e a irmã. A explosão da mina que matou seu pai, também matou o pai de Gale, que se torna um companheiro de caçadas e também um amigo - apesar da resistência da protagonista em formar laços de amizade. 

O tributo masculino eleito, se chama Peeta. Em uma estratégia bolada por Haymitch - mentor de ambos - os dois jovens acabam vendendo a imagem de um desafortunado casal apaixonado, como forma de angariar a afeição dos cidadãos da Capital, dos quais esperam patrocínios durante os jogos. Contudo, o fato de pertencerem ao mesmo distrito não muda o fato de que ambos são uma ameaça um ao outro. Apenas uma pessoa pode sair viva da arena. E Katniss prometeu a sua irmã Prim, que seria ela.


Que a Sorte esteja a seu favor!

A narração do livro está em primeira pessoa, então você acompanha todos os momentos de Katniss, como se fosse você mesmo tendo que passar por isso:

Dormir no alto de uma árvore na primeira noite amarrada apenas por um corda; 
Ser atacada por bolas de fogo disparadas pelos Idealizadores do Jogos ;  

Olhar no céu todas as noites as fotos dos tributos mortos naquele dia e depois ouvir o hino de Panem soar;
Ser caçada por Peeta aliado aos Carreiristas. Atacá-los utilizando vespas teleguiadas e acabar sendo picada também, sentir a dor e confusão provocada pelo veneno alucinógeno;

Acordar para descobrir que tem uma parceira delicada e meiga do Distrito 11 chamada Rue, só para depois vê-la morrer e então realizar um ato revolucionário: adornar o corpo da menina com flores e saudar o Distrito 11 levantando os dedos indicador e médio como símbolo de respeito e pêsames;

Vagar sem esperanças atrás de Peeta, após anunciarem uma mudança no jogo: seriam aceitos dois vencedores, desde que os dois sejam do mesmo distrito;

Encontrar Peeta semi-vivo e então fazer de tudo para salvar-lhe a vida: desde encenar beijos, contar sua história pessoal, duvidar se ama, duvidar se é amadachorar, sorrir, lutar corpo-a-corpo, correr de bestantesescalar uma cornucópia, assistir uma morte lenta e dolorosa, até que sobrem apenas três na arena: você mesma, seu companheiro de distrito e um punhado de amoras venenosas.

Gostaria de resenhar os outros dois livros da série, mas ficaria gigantesco, então aqui vai um breve resumo dos dois:



Em Chamas:
Depois de ganhar os Jogos Vorazes, competição entre jovens transmitida ao vivo para todos os distritos de Panem, Katniss agora terá que enfrentar a represália da Capital e decidir que caminho tomar quando descobre que suas atitudes nos jogos incitaram rebeliões em alguns distritos. Os jogos completam 75 anos, momento de se realizar o terceiro Massacre Quaternário, uma edição da luta na arena com regras ainda mais duras que acontece a cada 25 anos. Katniss e Peeta, então, se veem diante de situação totalmente inesperada e, dessa vez, além de lutar por suas próprias vidas, terão que proteger seus amigos e familiares e, talvez, todo o povo de Panem.


A Esperança:
Katniss conseguiu sair da arena pela segunda vez, mas, mesmo assim, ainda não está a salvo. A Capital está irritada e quer vingança e, por isso, inicia uma represália a toda a população. Numa trama tão violenta quanto psicológica, Suzanne Collins consegue provocar, em A Esperança, um debate sobre a moral e os valores da guerra e as consequências das escolhas feitas por cada um dos personagens. Ser o símbolo da revolução tem um preço alto para Katniss, que terá que decidir o quanto da sua própria humanidade e sanidade ela poderá arriscar em nome da causa, dos seus amigos e da sua família. É pela voz da protagonista, ainda mais feroz e obstinada, que a autora desafia o leitor a refletir em meio a cenas cruéis de combate.
O que é atraente na escrita de Collins é que ela se esforça em evitar os lugares-comuns. Talvez seja por isso que tantas pessoas relatam sentirem-se fortemente presas à história. Porque de fato, não é possível adivinhar o que vem à seguir quando uma autora se esforça tanto em quebrar padrões. Começando pelo fato da protagonista ser uma mulher, que é fisicamente forte, habilidosa com armas e corajosa. Gostei do triângulo amoroso formado entre Katniss, Peeta e Gale, e de como no final a autora soube desmontá-lo de maneira racional. Aliais, durante os três livros a coisa nunca descambou para uma história de amor melodramática, o que seria um caminho fácil e usual. Muito pelo contrário, a sua escrita é cruel, ela mata por exemplo, personagens relevantes sem dó nem piedade. E durante três livros, pode acreditar que ela teve muita gente para matar. A coisa é tão absurda, que cheguei a cogitar a chance dela matar os protagonistas, só para recriar tudo a partir das cinzas.
Mas acima de tudo o que me surpreendeu, foi encontrar uma  visão política e social tão aguçada em um best-seller. A autora soube contextualizar uma obra de ficção com os dias atuaisPanem parece um espelho distorcido do nosso mundo. Chegaria à exagerar se dissesse que ela criou uma metáfora para a realidade em que vivemos? Tem muita gente caracterizando o livro como uma distopia. 


Mas eu preferi enxergar tudo como uma espécie de alusão. Porque de certa maneira ela não narra um futuro que pode ser, ela narra um presente que já é (de forma um pouco mais crua e com uma dose de criatividade). Explicarei. Atualmente, a maior parte da população mundial ainda luta para ter o que comer, boa parte ainda é vigiada e humilhada pela polícianossas crianças ainda são lançadas em  lutas que não estão aptas para encarar: a luta da exploração, do trabalho escravo, da exposição à conteúdo violento. A questão da desigualdade social também é evidente. Enquanto Collins menciona uma Capital que explora seus distritos, vivendo ricamente enquanto centenas morrem de fome, o mundo nesse exato momento possui menos de 1% da sua população mundial detendo 40% da riqueza mundial, enquanto 99% trabalha arduamente para ter educação, alimento e saúde. Entendeu o meu ponto?



Por último, gostaria de mencionar o quesito pane e circenses. Nos livros de Collins a única interação entre os distritos e a Capital se dá pela TV (com conteúdo produzido exclusivamente pela Capital para os Distritos). Anualmente eles exibem os Jogos Vorazes e demais programas de conteúdo manipulado.  A TV é a maneira que a Capital tem para transmitir sua mensagem para todo um país, sem no entanto, unir seus cidadãos. Construindo portanto uma consciência de massa ainda que os mantenham fisicamente separados. Dessa forma eles reafirmam o seu poder através do medo, mantendo os distritos sob controle. Manter as pessoas com medo e com fome, parece muito eficaz. Na outra ponta, os cidadãos da Capital enxergam os Jogos como um grande Big Brother, torcendo e patrocinando os competidores, até restar apenas um vencedor. Eu acho isso muito próximo da nossa realidade: o controle da informação por parte da mídia televisiva, a exposição e exploração do cotidiano de um grupo seleto de indivíduos, a glamourização da miséria humana, a exploração do ódio e do medo como mecanismo de proteção para a Economia, etc. 

Aliais, esse é outro ponto que merece muita atenção: a banalização da violência e da dor como forma de distração. Os cidadãos da Capital assistem anualmente 24 crianças se matando, como se fosse algo natural. Podemos facilmente construir um paralelo com a nossa realidade: abarcando desde o UFC até os jornais que noticiam crimes brutais com uma normalidade alarmante. Ao meu ver, a exposição desse tipo de conteúdo gera nas pessoas sentimentos contraditórios: medo e passividade. O medo parte do fato de nos sentirmos impotentes frente à tanta violência, afinal não ha nada que se possa fazer para impedir o mal que nós próprios criamos. Paradoxalmente, essa sensação de impotência e passividade acaba por se converter em violência, como um mecanismo de proteção, que quase sempre atinge os alvos errados. Gerando um ciclo de violência sem fim. 



Geralmente a mudança em quadros sociais desse tipo pedem um mártir, um baluarte da revolta - que personifica a opressão e o medo que paira no ar. Na vida real podemos relembrar alguns: Tiradentes, Zumbi, Mandela, Che Guevara, Joana D'Arc, e tantos outros. 


No segundo e terceiro livros esse mártir se chama Katniss, uma menina de 17 anos que pisa na arena com um broche de tordo e acaba virando o pássaro da esperança para toda uma nação. Isso só foi possível, porque a sua personalidade corajosa e rebelde, transformou o inimigo ilusório Peeta em aliado real, tirando-o da arena vivo - subvertendo pela primeira vez as regras do jogo de Panem. Nos dois últimos livros a história se torna mais complexa e bem trançada. Se eu tentasse resumir os dois, como fiz com o primeiro essa resenha não acabaria hoje. 



O fato é que o final da história deixa a mensagem de que, sem amor e sem esperança nada é possível de mudar. E ainda assim, a autora faz questão de deixar claro que nenhuma mudança pode ocorrer sem infligir dor aos outros e a si mesmo. A vitória não pode ser alcançada sem revoltas e perdas. Susanne Collins deixa claro que não existe caminho fácil. A trilogia Jogos Vorazes ao contrário do que muitos pensam não é uma história de amor com um final feliz. É simplesmente um relato da vida, e das coisas que a compõem: amor, luta, morte, transformação, medo, traição, alegria e superação. 
No final sei que vai ter muita gente perguntando como eu consegui enxergar tudo isso num livrinho que tá famoso no meio teen. E só posso dizer, que assim como a beleza está nos olhos de quem vê, a profundidade de um livro só pode ser descoberta por quem o lê.
O fato é que para proporcionarmos um futuro melhor para os nossos filhos, em que possamos cantar músicas reconfortantes de ninar ao invés de cantigas de árvore-forca – é preciso alçar vôo como um tordo e se libertar das amarras que nos prendem, sejam elas quais forem.


Eu comecei libertando o meu preconceito dos best-seller e ganhando muito em troca. 
E você?

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