quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um Salão de Beleza em Cabul - Deborah Rodriguez



Como eu estava dentro do poupa-tempo
Há algum tempo atrás eu fui roubada,  precisei portanto, retirar todos os meus documentos novamente. Escolhi uma unidade do poupa-tempo e pedi algumas horas no trabalho. Tive que voltar lá em um SÁBADO de MANHÃ para buscar apenas o RG, porque não poderia pedir uma 2ª dispensa no trabalho. A minha raiva/tristeza/indignação por ter sido roubada parecia não terminar nunca. Mas daí veio a flor: quase saindo da unidade reparo um espaço com umas estantes de livros que havia ignorado na primeira visita. Pensei: “Já que o meu sábado de sono está arruinado, vamos ver o que é aquilo ali...” Aquilo ali era o Projeto Mais Leitura, que vende livros a preços populares. Havia muitos livros de autores desconhecidos, mas todos muito atraentes ao meu ser compulsivo-maníaco por livros. A pena era: havia um limite de 10 livros por pessoa. Pensei em ligar para alguém vir em meu socorro, mas decidi por fazer uma sessão-de-desapego e consegui chegar ao limite estipulado.

Dentre todas essas maravilhas de livros que somados deram míseros R$22,00 (não é nem o preço de 01 livro, que dirá de 10!) estava o maravilhoso Um Salão de Beleza em Cabul. Foi amor à primeira vista, da capa ao tema tudo me agradou. Tenho certeza que fui escolhida por ele, e não o contrário. Justamente, porque encaixou perfeitamente com os meus estudos feministas de ultimamente além do meu antigo interesse pelo Oriente Médio. Embora o livro não tenha uma abordagem focada nos gêneros, acaba por contribuir na discussão do tema por expor a situação deplorável das mulheres afegãs. A narrativa que é verídica e foi escrita pela própria protagonista é uma prova de como mulheres podem ser militantes da causa ainda que nada saibam sobre ela, apenas por demonstrar solidariedade e indignação pela depreciação do feminino em uma determinada sociedade/cultura.

O livro é de fácil leitura e passeia da comédia ao drama com bastante facilidade. É o tipo de leitura rápida, leve e fácil, é também bastante narrativa e biográfica. Embora não se candidate à  um Nobel de Literatura, é interessante para conhecer algumas realidades afegãs. Por ser estrangeira, o olhar da autora parte da alteridade, dessa forma em sua narração existem várias descrições de aspectos culturais, paisagísticos, psicológicos e morais do Afeganistão. Entrar em contato com um mundo tão diferente causa um choque nas mentes Ocidentais. Mas eu acredito que não há nada tão bom para expandir os horizontes e gerar reflexão do que esse encontro com o outro, tão diferente da gente.


A história é basicamente a seguinte: Deborah Rodriguez uma cabeleireira americana depois de passar por mau-bocados em um casamento abusivo decide ingressar em um grupo de ajuda humanitária. Um pouco antes do 11 de setembro conhece a cidade de Cabul e percebe que com a sua profissão pode ajudar as mulheres afegãs massacradas pela guerra e pela cultura. Retornando para a América ela arrecada doações e volta para abrir um salão-escola e morar em Cabul, onde enfrenta grandes dificuldades para ensinar essas mulheres  a se tornarem profissionais, melhorando assim a situação econômica e a auto-estima delas. Mulheres que pensavam não haver nenhuma chance de mudança em suas realidades de vida foram tornando-se aos poucos em protagonistas de suas próprias histórias.

Achei bem legal porque desconstruiu um preconceito meu também. Eu odeio salões de beleza! Continuo não gostando, mas parei para reparar, o que eles podem fazer pelas mulheres. Embora aqui no Ocidente eles existam como baluarte dessa busca/ditadura das mulheres pela beleza, no Oriente Médio ele é revestido com outras significâncias. A primeira, é que os homens são impedidos de entrar neles (pois não podem olhar mulheres sem o véu), como não podem entrar não podem calcular exatamente os ganhos monetários de suas esposas - e isso é imprescindível para a independência financeira delas. Em segundo lugar, os salões funcionam como um espaço de confidência - onde as mulheres dividem dilemas e problemas similares - sem a vigilância masculina (que é onipresente em todos os outros espaços), enfim é onde podem se comunicar livremente – e isso é imprescindível para a independência física delas. Em terceiro, os salões elevam a auto-estima feminina, fazendo com que as cabeleireiras se sintam valorizadas pela atividade que exercem e as clientes pelo resultado que vêem em si – e isso é imprescindível para a independência emocional delas.

A sociedade afegã estabelece que mulheres possam ir para a cadeia por motivos, como:
A afegã Sharbat Gula foi capa da revista National Geographic em 1985.

- Serem estupradas;
- Agredirem esposos em legitima defesa;
- Fugir com namorados;
- Engravidarem fora do casamento;
- Fugirem de maridos violentos.

Mulheres também são chamadas de prostitutas, caso andem na rua sem um pano cobrindo os cabelos; usem roupas acima do joelho e morem sozinhas (sem homens). Portanto, para obter uma leve melhora ainda é preciso lutar para que muitos e muitos salões de beleza como o de Deborah Rodriguez se espalhem pela cidade.



Enquanto isso, aqui no Ocidente a luta  é oposta: precisamos incentivar o empoderamento do feminismo nas mulheres “aprisionadas” pelos milhares e milhares de salões de beleza espalhados pela cidade. Escravas voluntárias da ditadura da beleza, que direciona suas mentes e corpos. É necessário que ocorra uma linda mudança em suas cabeças: primeiramente em nível mental e nada impede que depois nos cabelos também, porque não?


Alguns trechos do livro:

“Qual é o problema, Debbie?”, Roshanna perguntou, abraçando-me carinhosamente. Contei a elas que as corajosas mulheres do Afeganistão – que suportavam firmes uma sucessão de guerras, casamentos forçados e tantas formas diferentes de opressão – haviam sido a minha inspiração para abandonar meu marido violento e inútil. Disse a elas que finalmente era dona da minha liberdade e que devia minha liberdade a elas. Disse que as amaria para sempre, e ao Afeganistão também, por causa disso. (pág 91)

Mulheres votando em Kandahar













“Que diabos aconteceu?”, perguntei. “Quem bateu em você?” Ele não precisava de tradutor. Limitou-se irritado, a apontar a casa de nossos vizinhos malvados do outro lado da rua.
Nunca fui uma pessoa matinal. Preciso do meu café, dos meus cigarros e de um pouco de tranqüilidade antes de começar o meu dia -  fico realmente irritada sem essas coisas. Quando alguém quer me tirar do sério, só precisa se dar ao trabalho de me acordar cedo, especialmente se estou numa fase explosiva do ciclo menstrual. Naquele dia, fiquei cega de fúria. Agarrei meu véu e a metralhadora de Sam e, com toda a minha equipe correndo atrás de mim, corri desabaladamente até o portão dos vizinhos encrenqueiros e comecei a chutá-lo. Ninguém apareceu, mas eu vi uma fresta no portão entreaberto, que não fora trancado direito. Então simplesmente empurrei-o e entrei.
As mulheres dos vizinhos encrenqueiros apareceram correndo, e eu exigi saber onde eles estavam. Aqui não, elas disseram. Continuei gritando que queria saber onde eles estavam. Notei que todos os vizinhos começavam a se juntar em torno do portão. Eu ainda gritava, usando todas as palavras que conhecia em dari – possivelmente até “escova de cabelo” e “tapete”. Então, três homens abriram caminho entre a multidão que se aglomerava no portão e entraram no complexo. Dois deles eram os que haviam brigado conosco por causa da guarita do chowkidor, e outro era um homem alto, bonito, que eu já tinha visto antes na rua. Eu sabia que eles eram irmãos, embora não fossem parecidos. Os três se limitaram a ficar ali, parados, com sorrisinhos forçados. Aquilo me deixou mais furiosa ainda.
“Qual deles agrediu Achmed Zia?”, perguntei a meus funcionários. Ninguém parecia saber ou se dispunha a falar. Então, agarrei o bonitão pela camisa. Virei a cabeça ligeiramente para olhar a minha equipe.
“Vocês chamem a polícia. Não vou deixar que eles saiam daqui.”
A coisa assumiu, então, um tom algo humorístico. Minha equipe permanecia ali, as feições tensas, enquanto Laila traduzia. Eles conversaram entre si. Ninguém parecia saber como chamar a polícia. Ninguém nunca havia tentado, porque não adiantava nada – a policia nunca aparecia. E não existe no Afeganistão um número especifico para acionar uma emergência, como 190 (no Brasil). Assim, todos os meus funcionários, à exceção de Achmed Zia, saíram para tentar descobrir como telefonar para a delegacia de polícia, enquanto eu mantinha os irmãos criminosos sob a mira de uma arma. Pelo menos, eles já não exibiam seus detestáveis sorrisinhos. (pág 195)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...