quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Agência 3307 - Ariana Mendonça

Saudade.1899.Almeida Junior.
Ando me parecendo cada vez mais com os personagens dos meus livros. Pode ser pura coincidência. Mas pode ser também um tipo de redenção prévia, de forma a preparar minha alma e intelecto para o futuro. Assim, quando algo me ocorrer, eu saberei que já vi isso antes. Então me sentirei menos miserável, e talvez mais preparada (ou amparada) pelo poder do conhecimento primário. Ou apenas por talvez não ser, a única fudida na história. Nada mais real que a literatura ficcional.

Digo isso porque as pessoas que conheço parecem demasiadamente longe de mim, bem menos cheias de dilemas e becos existênciais. A minha vida me parece bem pior do que as demais vidas. Engraçado ser desgraçada. A sem graça. Sem absolvição. Talvez eu devesse virar escritora. Porque se os seres humanos normais são estranhos ímpares, os escritores devem ser só estranhos. Nem pares, nem ímpares, nem porra nenhuma.

Sentada no bar. Tomar uma cerveja é a única maneira de fazer as coisas parecerem menos anormais. Eu deixo minhas marcas na mesa. A vida deixa suas marcas em mim. Esse mundo não faz sentido nenhum. E quem se importa? Cada pedaço de papel agora faz sentido.
       
Figure at a Window. 1925. Dalí.
Pessoas verificando o resultado do jogo do bicho sob a minha cabeça que eu não sei se é galhuda ou se galha. Vida confusa de merda. É impressionante como as pessoas velhas bebem, tanto ou mais que eu. Acho que bem mais que eu. Isso é um atestado de que a vida é desesperadora em qualquer idade, desde quando você nasce até quando você morre. Temerária. Está todo mundo tentando pular fora dela. E quem entende o que eu digo? Não dá para ter saudade de um. E as pessoas velhas também fumam, todo mundo está querendo se matar mais rápido do que é possível. A juventude não tem beleza nenhuma, pode acreditar em mim. Os animais talvez tenham alguma graça. Pessoas revirando o lixo, e presas no trânsito, velhas recauchutadas uma falando mal da outra. O que tem de bela na vida, Benigni ? Um tumor benigno talvez. Ruim, mas benigno. Ou não, porque ela te mata. No final.
        
Minha cota de cigarros chegou ao fim. Latas voam, latas voam. Latas velhas nunca passam por aqui. Só por onde vim. Será que um dia alguém irá interpretar o que escrevi? Decerto nem chegarão perto. E todos os velhos se matam junto comigo. E quando nem a cerveja fizer mais sentido o que será de mim? Eu nunca consegui olhar a podridão e me sentir melhor. Porque deveria? Tem tanta gente que se conforta no pior dos outros. É algo que não me entra na cabeça. Pela primeira vez na vida eu não estou preocupada com ninguém além de mim. Deus, eu só quero nunca engravidar,para não ser culpada de botar mais vida nessa falta de humanidade. As mulheres realmente interessantes passam e nenhum homem repara. Eles só querem as putas. Eu não sou puta nem santa. Não sei o que farão comigo. Não sei o que fazer de mim.

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