domingo, 12 de agosto de 2012

O Natimorto - Lourenço Mutarelli

Lourenço Mutarelli -18 de abril de 1964 -Brasileiro 
(Tinha que ser ariano igual a mim...)

Tenho que começar admitindo a minha resistência aos brasileiros, escritores brasileiros, sabe? Tenho dificuldade com o linguajar nativo. Não só com a linguagem, o problema é que todas as histórias me parecem reais demais, como coisas que posso vivenciar no dia-a-dia, ou experimentar através da música e da TV brasileiras. Não é preconceito de forma alguma, tenho mais de uma dúzia de autores brasileiros na ponta da língua, caso me perguntem sobre bons escritores. O fato é que leio pra fugir, para esquecer, desaparecer, viajar. A literatura nacional não me deixa fazer isso. Mesmo que tratem, por exemplo, do Norte ou do Nordeste, tão distantes espacialmente de mim, ainda é como se falassem de mim, essas regiões me são próximas na essência. Essência de brasileira.
Mas não faz tempo eu aprendi que todos os paradigmas que vivem em mim existem apenas para serem quebrados. E tinha que ser por um paulista, eu sabia que seria assim. Lourenço Mutarelli é o nome daquele que conseguiu com mais destreza enfraquecer meu paradigma.
         Com o lindo livro ‘O Natimorto’. Esse eu não comprei, peguei emprestado, e sabe aquela vontade de não devolver? Porque eu me apego. Não quero comprar um outro novinho em folha, quero justamente esse com que eu já me envolvi. Mas não o roubarei, pois ainda resta um fiozinho de fibra moral nesse ser cleptomaníaco de livros.  
          Voltando ao livro... Se eu tivesse que defini-lo em uma palavra, ela seria: originalidade. Além de escrever muito bem, de forma clara e instigante, o autor é bastante criativo. Ele joga os clichês fora, e cria diálogos levemente nonsenses dos quais eu adoraria participar. É um livro breve com uma história curta, 133 páginas de diálogos inteligentes, sagazes e bem escritos. Não há muitos personagens na história, e nenhum deles tem nome, nem mesmo os protagonistas ( O Agente e A Voz).
A história tem inicio com ele, O Agente buscando a Voz na rodoviária. A Voz é uma cantora lírica e ele...bem....é o seu agente. Ela intenta por intermédio dele ser apresentada ao Maestro, o qual ela espera fazê-la famosa. Os dois acabam se hospedando juntos em um quarto de hotel, trocando conversas surreais. A base da trama gira em torno de um aspecto peculiar: o Agente diz ser capaz de ler a sorte na fotografia dos maços de cigarro, como se essas fossem cartas de tarô. E acaba ficando obcecado nisso. Sem que ela perceba, o Agente envolve a Voz, trazendo-a para sua realidade corroída, traumática, esotérica e em crise.  
Muitos trechos são escritos em formato de poesia, com frases curtas e pausadas, como se para darem o tom da cabeça devaneante do Agente. Como se as cenas e os sentimentos que ele narrasse aos seus olhos fossem poesias, momentos oníricos.

”Ando em círculos.
Paro
em círculos.
Espero
em círculos.
Fumo
em círculos.
Solto fumaça.
A porta
permanece
fechada.” (pág 50)

Adorei as partes em que ele recorre às frases dos maços de cigarro, para gerar uma espécie de pausa chistosa entre os diálogos:

“Permaneço de pé
Fito os padrões do tapete.
Estranhos padrões.
Talvez,
advertências.
E, mesmo cientes de que “Crianças começam a fumar ao verem os adultos fumando”,
fumamos.” (pág 20)
 

          Através de um noir leve, Mutarelli nos fala do mistério que pode habitar o ser humano. As loucuras e paranóias que podem estar escondidas em pessoas que ao primeiro olhar podem parecer fascinantes. Sabe que se a gente parar para pensar nisso, fica louco, né? Eu só gostaria que o livro fosse um pouco mais longo (somadas as horas de leitura creio não terem passado cinco) sendo assim não tenho muito mais sobre o que discorrer. A leitura em si é que é o agradável, entrar em contato com essa criatividade louca e espirituosa do Mutarelli. Obviamente que não vou contar, mas o final também é surpreendente.
E como promessa é dívida e

“O fumo/furto causa infarto de coração”. O livro será devolvido ao seu respectivo dono.

Vou perguntar quantos quilos ele pesa... (piadinha interna, leia o livro que você entende).


Primeira página do livro


Um comentário:

  1. Se por acaso decidir afanar esse livro, como compartilho da crença e da doença não só não vou mal julgar como também quererei lê-lo com esse sabor, e prometo devolvê-lo, não que haja outra opção se bem conheço seu zelo obsessivo por esses tesouros.
    Saudade das nossas conversas, apesar de compreender a sua distância.
    Parabéns pelo post, inspirador de desejos.

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