
Adorei ver tantas obras de escritoras tão maravilhosas sendo analisadas a partir de um tema tão complicado e abrangente como a família. Como fala Sylvia Mello no prefácio do livro:
“Estas são possibilidades que o livro de Elódia Xavier explora. O olhar da mulher é o puro olhar da alteridade derramado sobre um mundo construído essencialmente pelo olhar masculino. O modo deste olhar ver a mulher e a família, em algumas obras literárias escritas por mulheres, é trabalhado por Elódia no sentido de penetrar, com as autoras, no âmago da condição feminina, mas não dentro das quatro paredes onde escorre a vida familiar.”
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Elódia Xavier |
Apenas o que me chateou um pouco ao longo do livro é a linguagem utilizada. A formalidade própria da Academia (a autora leciona Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da UFRJ) sempre me deixa com a sensação de que belíssimos pássaros foram impedidos de alçar vôos mais longos – restringidos às suas gaiolinhas redondas e hermeticamente construídas. Essa característica delimitadora da Academia me enerva um pouco. Entendo a validade e importância do método, entendo que o bom senso é uma qualidade que a academia nos ensina, e a sua produção pertence ao nicho das chamadas “obras acadêmicas” servindo ao bem a que se aplicam. Mas e o que acontece quando esses livros são formatados e lançados no mercado com cheiro de livro e aparência de literatura? Respondo: uma leve tendência no leitor em se sentir enfadado por uma expectativa que nunca se concretiza: a de ver uma opinião imparcial se solidificar. Outra sensação que tive, não garanto se procede. Parece-me que a autora teve a necessidade de encurtar o tamanho da sua obra - suprimindo trechos que talvez valiosos - como maneira de tornar o livro menos longo e, portanto "economicamente publicável". Soa como se a autora na execução e publicação de sua obra fosse podada seguidamente por duas forças que sabem fazer isso muito bem: a academia e o capital.
Mas acima de qualquer crítica, as análises da Elódia Xavier me fizeram perceber orgulhosamente, que as nossas escritoras não estavam cegas aos dilemas da mulher na sociedade, e que souberam retratar nossas dificuldades de maneira leve, mas incisiva. Essa consciência atemporal da condição feminina por parte das mulheres é o que me prova cada vez mais que o feminismo não é uma ideologia ou uma bandeira, é um sentir/saber inato. Muitas vezes as mulheres negam o rotulo de feministas (outras muitas nem sabem o que ele significa), mas no seu dia-a-dia não deixam de se posicionar e lutar pela causa. Foi isso que a Clarisse, a Rachel, a Lygia, a Adélia , a Lygia ,a Lya fizeram sem querer ou querendo. E isso muito me orgulha.
O livro é dividido por capítulos que tratam cada um de uma autora, e de como a família foi abordada em seus livros. Para quem ficou interessado e quer saber mais, vou deixar O Sumário do livro abaixo e também alguns trechos.
Sumário
Júlia Lopez de Almeida: A Sagrada Família
Clarice Lispector: “A Família, como vai?”
Rachel de Queiroz: da casa para a rua
Lygia Fagundes Teles: a ausência do pai
Sonia Coutinho: o preço da transgressão
Lya Luft: A desconstrução do gênero
Zulmira Ribeiro Tavares: Família e Tradição
Helena Parente Cunha: A mulher dividida
Adélia Prado: A família Natural
Ana Maria Machado: As relações autênticas
Clarice Lispector: “A Família, como vai?”
“A leitura de Laços de Família (1960), de Clarice Lispector, sob esta perspectiva, torna visível as contradições inerentes ao contexto familiar, que protege e reprime ao mesmo tempo."
"No conto “Uma galinha”, a fuga da ave – metáfora da mulher – da cozinha para os telhados, perseguida pelo dono da casa e finalmente capturada, representa a situação feminina fora das protetoras paredes do lar. Vejamos como a narradora qualifica a trajetória da galinha: ‘Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça.’ E, mais adiante: ‘Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga’ (pp.37/38). Capturada, é colocada no chão da cozinha, onde acaba botando um ovo, transformando-se aos olhos da família, na ‘rainha da casa’....”

"No conto “Uma galinha”, a fuga da ave – metáfora da mulher – da cozinha para os telhados, perseguida pelo dono da casa e finalmente capturada, representa a situação feminina fora das protetoras paredes do lar. Vejamos como a narradora qualifica a trajetória da galinha: ‘Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça.’ E, mais adiante: ‘Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga’ (pp.37/38). Capturada, é colocada no chão da cozinha, onde acaba botando um ovo, transformando-se aos olhos da família, na ‘rainha da casa’....”

Rachel de Queiroz: da casa para a rua
“Essa função reguladora e moralizante, na obra de Rachel, efetiva-se no espaço da casa, em oposição ao espaço da rua, onde convivem a ordem e a desordem."
“A afirmativa, reiterada inúmeras vezes pela protagonista – ‘era sempre ou eles, ou eu’ - , justifica seus atos violentos, dando bem a medida do drama de Maria Moura, impossibilitada de conciliar a conquista do poder com suas necessidades afetivas.”
“Como mostra o título por nós escolhido, as personagens femininas de Rachel rompem com a ‘casa’ para experienciar o mundo da ‘rua’; se nem sempre têm sucesso e voltam desiludidas, outras aí se realizam e, até mesmo, como Maria Moura, tornam-se poderosas, apesar dos pesares”
“A afirmativa, reiterada inúmeras vezes pela protagonista – ‘era sempre ou eles, ou eu’ - , justifica seus atos violentos, dando bem a medida do drama de Maria Moura, impossibilitada de conciliar a conquista do poder com suas necessidades afetivas.”
“Como mostra o título por nós escolhido, as personagens femininas de Rachel rompem com a ‘casa’ para experienciar o mundo da ‘rua’; se nem sempre têm sucesso e voltam desiludidas, outras aí se realizam e, até mesmo, como Maria Moura, tornam-se poderosas, apesar dos pesares”
“Sonia se ocupa da questão feminina praticamente, em toda sua obra; desde Nascimento de uma mulher, livro de contos de 1970, ela vem trabalhando seus textos através de uma ótica feminista.”
“O conto desvela o mecanismo de socialização da mulher – o tornar-se mulher – e o papel da família nesse processo, desempenhado por excelência pela mãe. Trata-se, aqui,da família burguesa, organizada e estável; aquela que a Igreja Católica, por exemplo, considera a ‘célula mater da sociedade’, a ‘base do edifício social.’.”
“Afinal, é o destino de tantas Alices: liberadas dos protetores e opressores laços da família, pagam um preço muito alto pela transgressão. A norma, segundo Alice, ainda é um modelo patriarcal, do qual ela fala com um sentimento de perda:
“O conto desvela o mecanismo de socialização da mulher – o tornar-se mulher – e o papel da família nesse processo, desempenhado por excelência pela mãe. Trata-se, aqui,da família burguesa, organizada e estável; aquela que a Igreja Católica, por exemplo, considera a ‘célula mater da sociedade’, a ‘base do edifício social.’.”
“Afinal, é o destino de tantas Alices: liberadas dos protetores e opressores laços da família, pagam um preço muito alto pela transgressão. A norma, segundo Alice, ainda é um modelo patriarcal, do qual ela fala com um sentimento de perda:
‘Tudo indica que aí moram famílias consideradas ‘normais’, casais com dois ou três filhos, gente que passou a vida inteira casada com a mesma pessoa, mulheres que nunca trabalharam fora, simplesmente pariram e criaram seus filhos. Mulheres que, à tarde, ainda se sentam na varanda, cercadas de plantas, com crianças pequenas ao colo, e ali ficam balançando-se, em algum balanço ou rede, devagarinho, ah, bem devagarinho, enquanto a noite chega e as crianças adormecem’ (p.53).
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