domingo, 30 de dezembro de 2012

Declínio do Patriarcado: a família no imaginário feminino – Elódia Xavier


Enquanto meus estudos feministas avançam, eu acabei de devorar mais um. Concordo que não é um livro abertamente feminista, mas uma feminista reconhece outra quando lê. Em algumas nuances a autora deixa escapar para que veio. O livro “Declínio do Patriarcado” pretende analisar a abordagem da temática familiar em livros escritos por mulheres. Começando por Júlia Lopez de Almeida, depois pela famosa Clarice Lispector, avançando por Rachel de Queiroz, deslizando por Lygia Fagundes Teles, Adélia Prado, Lya Luft até alcançar nomes menos conhecidos por aqui, como Sonia Coutinho, Zulmira Ribeiro Tavares e Helena Parente Cunha.

Adorei ver tantas obras de escritoras tão maravilhosas sendo analisadas a partir de um tema tão complicado e abrangente como a família. Como fala Sylvia Mello no prefácio do livro: 

“Estas são possibilidades que o livro de Elódia Xavier explora. O olhar da mulher é o puro olhar da alteridade derramado sobre um mundo construído essencialmente pelo olhar masculino. O modo deste olhar ver a mulher e a família, em algumas obras literárias escritas por mulheres, é trabalhado por Elódia no sentido de penetrar, com as autoras, no âmago da condição feminina, mas não dentro das quatro paredes onde escorre a vida familiar.” 

Elódia Xavier
 As vezes é fácil esquecer que temos uma trilha de mulheres que produziram literatura de tão alta qualidade, nossas antepassadas sempre tão atuais. Foi bom tomar ciência de outras, menos conhecidas. Bom saber que o dia-a-dia em boa parte fastioso das mulheres que cuidam da casa, parem e cuidam dos filhos (se der mole tudo isso ao mesmo tempo) ainda pode render um bom material para análise e discussão. Esse livro é daquele tipo que te instiga a ler no mínimo mais uns 10 livros, pois conforme ela vai analisando as obras e citando os seus nomes, ela te instiga a buscar os livros e tirar suas próprias impressões. Nunca pensei que discutir sobre a família pudesse render tantas ideais interessantes.

Apenas o que me chateou um pouco ao longo do livro é a linguagem utilizada. A formalidade própria da Academia (a autora leciona Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da UFRJ) sempre me deixa com a sensação de que belíssimos pássaros foram impedidos de alçar vôos mais longos – restringidos às suas gaiolinhas redondas e hermeticamente construídas. Essa característica delimitadora da Academia me enerva um pouco. Entendo a validade e importância do método, entendo que o bom senso é uma qualidade que a academia nos ensina, e a sua produção pertence ao nicho das chamadas “obras acadêmicas” servindo ao bem a que se aplicam. Mas e o que acontece quando esses livros são formatados e lançados no mercado com cheiro de livro e aparência de literatura? Respondo: uma leve tendência no leitor em se sentir enfadado por uma expectativa que nunca se concretiza: a de ver uma opinião imparcial se solidificar. Outra sensação que tive, não garanto se procede. Parece-me que a autora teve a necessidade de encurtar o tamanho da sua obra - suprimindo trechos que talvez valiosos - como maneira de tornar o livro menos longo e, portanto "economicamente publicável". Soa como se a autora na execução e publicação de sua obra fosse podada seguidamente por duas forças que sabem fazer isso muito bem: a academia e o capital.

Mas acima de qualquer crítica, as análises da Elódia Xavier me fizeram perceber orgulhosamente, que as nossas escritoras não estavam cegas aos dilemas da mulher na sociedade, e que souberam retratar nossas dificuldades de maneira leve, mas incisiva. Essa consciência atemporal da condição feminina por parte das mulheres é o que me prova cada vez mais que o feminismo não é uma ideologia ou uma bandeira, é um sentir/saber inato. Muitas vezes as mulheres negam o rotulo de feministas (outras muitas nem sabem o que ele significa), mas no seu dia-a-dia não deixam de se posicionar e lutar pela causa. Foi isso que a Clarisse, a Rachel, a Lygia, a Adélia , a Lygia ,a Lya fizeram sem querer ou querendo. E isso muito me orgulha.

O livro é dividido por capítulos que tratam cada um de uma autora, e de como a família foi abordada em seus livros. Para quem ficou interessado e quer saber mais, vou deixar O Sumário do livro abaixo e também alguns trechos.


                             Sumário

Júlia Lopez de Almeida: A Sagrada Família 
Clarice Lispector: “A Família, como vai?” 
Rachel de Queiroz: da casa para a rua 
Lygia Fagundes Teles: a ausência do pai 
Sonia Coutinho: o preço da transgressão 
Lya Luft: A desconstrução do gênero 
Zulmira Ribeiro Tavares: Família e Tradição 
Helena Parente Cunha: A mulher dividida 
Adélia Prado: A família Natural 
Ana Maria Machado: As relações autênticas 






Clarice Lispector: “A Família, como vai?”
“A leitura de Laços de Família (1960), de Clarice Lispector, sob esta perspectiva, torna visível as contradições inerentes ao contexto familiar, que protege e reprime ao mesmo tempo."

"No conto “Uma galinha”, a fuga da ave – metáfora da mulher – da cozinha para os telhados, perseguida pelo dono da casa e finalmente capturada, representa a situação feminina fora das protetoras paredes do lar. Vejamos como a narradora qualifica a trajetória da galinha: ‘Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça.’ E, mais adiante: ‘Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga’ (pp.37/38). Capturada, é colocada no chão da cozinha, onde acaba botando um ovo, transformando-se aos olhos da família, na ‘rainha da casa’....”

Rachel de Queiroz: da casa para a rua 
“Essa função reguladora e moralizante, na obra de Rachel, efetiva-se no espaço da casa, em oposição ao espaço da rua, onde convivem a ordem e a desordem."

“A afirmativa, reiterada inúmeras vezes pela protagonista – ‘era sempre ou eles, ou eu’ - , justifica seus atos violentos, dando bem a medida do drama de Maria Moura, impossibilitada de conciliar a conquista do poder com suas necessidades afetivas.”

“Como mostra o título por nós escolhido, as personagens femininas de Rachel rompem com a ‘casa’ para experienciar o mundo da ‘rua’; se nem sempre têm sucesso e voltam desiludidas, outras aí se realizam e, até mesmo, como Maria Moura, tornam-se poderosas, apesar dos pesares” 

Sonia Coutinho: o preço da transgressão 
“Sonia se ocupa da questão feminina praticamente, em toda sua obra; desde Nascimento de uma mulher, livro de contos de 1970, ela vem trabalhando seus textos através de uma ótica feminista.”

 “O conto desvela o mecanismo de socialização da mulher – o tornar-se mulher – e o papel da família nesse processo, desempenhado por excelência pela mãe. Trata-se, aqui,da família burguesa, organizada e estável; aquela que a Igreja Católica, por exemplo, considera a ‘célula mater da sociedade’, a ‘base do edifício social.’.”

“Afinal, é o destino de tantas Alices: liberadas dos protetores e opressores laços da família, pagam um preço muito alto pela transgressão. A norma, segundo Alice, ainda é um modelo patriarcal, do qual ela fala com um sentimento de perda: 

 ‘Tudo indica que aí moram famílias consideradas ‘normais’, casais com dois ou três filhos, gente que passou a vida inteira casada com a mesma pessoa, mulheres que nunca trabalharam fora, simplesmente pariram e criaram seus filhos. Mulheres que, à tarde, ainda se sentam na varanda, cercadas de plantas, com crianças pequenas ao colo, e ali ficam balançando-se, em algum balanço ou rede, devagarinho, ah, bem devagarinho, enquanto a noite chega e as crianças adormecem’ (p.53).

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