A ausência de medo é um dos fatores
que separam os homens das crianças e das mulheres. O que significa, e como se
manifesta,essa pretensa valentia?
Em primeiro lugar, expressa-se com
grande freqüência como uma lamentável falta de precaução. De homens que dirigem
motocicletas sem usar capacete a motoristas que ultrapassam em curvas sem
hesitar e operários que usam ferramentas perigosas ou substâncias tóxicas sem
proteção alguma, muitos homens recusam-se a tomar cuidado por medo de parecerem
medrosos. Segundo as equações simplistas do machismo, precaução significa medo,
e este é uma emoção indigna do homem, uma debilidade própria das mulheres; como
conseqüência necessária, ausência de cuidado equivale a valentia. No entanto,
não podemos chamar coragem a essa forma
de temeridade, porque a coragem bem compreendida não significa ignorar o perigo, mas enfrentá-lo com inteligência e com maiores possibilidades de vencê-lo. E o
custo da temeridade é altíssimo: traduz-se anualmente em dezenas de milhares de
acidentes de carro e de trabalho, que poderiam ter sido evitados com um mínimo de
precaução. A cultura da prevenção, que as autoridades tanto encorajam quando
exortam a população a seguir as medidas de segurança em todos os tipos de
situação, continuará a ser pouco eficaz enquanto perdurarem os valores
machistas. Muitos homens desobedecem às regras não por ignorância nem por inconsciência,
mas por machismo.
E o que dizer dos homens que, para não
parecerem “covardes”, se enredam em discussões ou brigas das quais sabem que
sairão machucados? Quantas altercações desnecessárias e insensatas não ocorrem
porque um ou vários homens sentem-se obrigados a demonstrar que “não tem medo
de ninguém”? Poderíamos dizer que a falsa coragem do machismo (falsa porque não
enfrenta o medo, apenas o disfarça) é uma atitude de alto risco, que cria
dificuldades e perigos para toda a sociedade. Além disso, a vergonha que alguns
homens sentem quando têm medo pode obscurecer
o julgamento e distorcer suas reações: agem a partir do medo da vergonha, em
vez de se deixarem guiar pelo medo do problema real.
[...]
A reticência em mostrar o medo também
impede os homens, em muitas ocasiões, de solicitar auxílio. Nas mesmas circunstâncias
em que uma mulher não hesitaria em
buscar assistência – nas vias públicas ou em algum lugar desconhecido -, muitos
homens recusam-se a demonstrar receio ou insegurança e tentam sair da
dificuldade sem recorrer a ninguém. O mesmo acontece, decerto, no terreno das
relações interpessoais, que tão freqüentemente exigem a superação de temores
profundamente arraigados, como o medo da rejeição ou do abandono. Em vez de
compartilhar esses medos (que, afinal, são naturais), muitos homens preferem
guardá-los para si, anulando assim a única ajuda real que poderiam encontrar, e
que está no diálogo.
CASTAÑEDA, Marina (2006). O
machismo invisível. São Paulo: A Girafa Editora.p.138-139
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