Foi matéria: Médicos defendem aborto até 12ª semana de gestação
Conselhos médicos propõem
que se dê à mulher a opção de parar gravidez
Posição tem respaldo da
maioria dos conselhos de medicina e dá força à reforma do Código Penal em
análise no Senado
O Aborto é sempre um assunto polêmico. A defesa da vida dos fetos (assim como o machismo) é um discurso arraigado em todos nós, incutido principalmente pela influência das religiões cristãs. Foram séculos vivendo sob o julgo da Igreja e por mais que agora sejamos um país laico ainda restam sérios resquícios de opiniões religiosas permeando as decisões políticas (não me deixa mentir o Marco Feliciano). Não me cabe dizer se o aborto é certo ou errado, porque antes de tudo essa é uma escolha pessoal. E as pessoas devem sentir-se livres para serem contras ou a favor do que quiserem, mas é preciso entender que em um estado democrático o pessoal não pode sobrepujar o coletivo. Não se podem impingir crenças e verdades únicas para um conjunto - que é sempre algo amplo e plural.
Quer se queira ou não, a vida do bebê está
intrinsecamente ligada à vida da mãe, portanto, ela deve ter algum poder de
decisão. As pessoas devem ter o direito de fazer suas próprias escolhas, sem
interferência alheia. Nesse ínterim algumas pessoas talvez me perguntassem: Então
se você decidir que acha correto matar pessoas, você tem o direito de fazê-lo?
Ou: Matar um feto é a mesma coisa que matar uma pessoa? Para a segunda
pergunta eu diria que a resposta depende da definição sobre o início da vida –
e esse assunto ainda não chegou à uma conclusão. Para a primeira pergunta, eu
diria que não creio que matar uma pessoa é o mesmo que cometer um aborto, porque
as pessoas possuem suas vidas de maneira autônomas em relação à mim, ou seja,
se eu não interferir em suas atividades, elas continuarão existindo. Com um
filho é diferente, pois gestar envolve toda uma série de atitudes e mudanças
que nem sempre uma mulher está disposta ou apta a manter.
Acredito que cabe muito menos aos homens
julgarem essa questão. Primeiro, porque eles não sabem nem nunca irão saber
como é estar grávida, logo essa decisão não afeta suas vidas drasticamente. Um
homem pode ter 50 filhos sem ter sua vida alterada, uma mulher jamais. E no
final das contas, o aborto é simplesmente algo que acontece espontânea ou
induzidamente, seja ele legalizado ou não.
E para além de todos esses questionamentos
que sempre surgem, o mais interessante é questionar os valores por trás das
defesas de ambos os lados, mas principalmente das opiniões “socialmente aceitas”.
Uma das coisas que achei mais interessante é quando D'Ávila
afirma:
Sim, porque a maioria das
pessoas que são contra o aborto acredita que se o aborto for legalizado as
mulheres o farão indiscriminadamente. Como se fosse um procedimento muito
simples, sem riscos e nada traumático na vida de uma mulher. Seria o mesmo que
supor que só porque existe transplante de coração uma pessoa cardíaca teria um
comportamento de risco. Tenho certeza de que as mulheres que uma vez se
submetem a um aborto, não desejam que ele ocorra de novo. Se não for pelo
altruísmo, garanto que pelo menos por egoísmo as mulheres não se submeteriam a
esse procedimento de forma banal. É óbvio que algumas mulheres se sentem menos
incomodadas com essa possibilidade e se submeteriam várias vezes ao
procedimento, mas com certeza elas não representam a maioria. Logo não podemos penalizar
todas, pela postura de uma minoria.
Um estudo recente elaborado pela
Universidade de Brasília (UnB) e pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj) com financiamento do Ministério da Saúde traçou o perfil das mulheres
que abortam e descobriu algo revelador. Essas mulheres tem entre 20 e 29 anos, trabalham, são católicas, tem um parceiro estável e pelo menos um filho. Então o que isso significa? Que essas mulheres não são
monstros sem coração que odeiam criancinhas. Mas sim que são mulheres que
não podem arcar com a maternidade por um motivo ou outro, seja ele monetário,
de tempo, ou psicológico. O problema é que os chamados pró-vida entendem que a
mulher “naturalmente” foi feita para ser mãe, e que, portanto devem ser altruístas,
colocando a vida da criança em primeiro lugar, antes da sua vontade,
necessidade e disponibilidade. Mas não, a maternidade é uma escolha emocional
& racional. Ser mãe implica em responsabilidade e doação – logo não
pode ser uma decisão tomada apenas por impulso ou “desejo biológico”. Aqueles
que não reconhecem esse fator prático e racional da vida nem deveriam tentar proteger
os fetos, já que encaram a existência de forma tão simplista e emotiva.
Do outro lado está a declaração
de Soares, que é muito boa para analisar a defesa daqueles que são contra o
aborto. Quando ele diz que:
“Não é uma questão religiosa. Enquanto médicos, entendemos que
nossa obrigação primeira é com a vida.”
O que ele está tentando dizer? O
que ele caracteriza como vida? O importante é tão somente “gerar” essa vida ou
“mantê-la” no mundo? Gerar é um processo a curto prazo, mantê-la, à longo. Se você
gera e não mantém, o trabalho será em vão. É o que vemos acontecer desde as
favelas do Rio até os paises pobres da África, mães gerando filhos
indiscriminadamente que morrem de fome ou pela violência. Enquanto médico
entendo seu posicionamento em favor da vida, mas nem todas as causas de morte
podem ser evitadas pelos médicos, a pobreza, a violência, a fome – que são as
principais causas de morte entre adolescentes e crianças - não podem ser
combatidas pelos médicos. Enquanto isso, boa parte dos chamados “pró-vida” não
se mostram preocupados em erradicar a fome ou combater a violência (pelo
contrário, geralmente são essas as mesmas pessoas que defendem a diminuição da maioridade
penal). Ou seja, elas não estão preocupada em manter a VIDA enquanto ela está
VIVA do lado de cá, apenas tentam impedir sua MORTE quando está do lado de lá
da PLACENTA. Bem, porque no momento em que o bebê nasce, ele se torna cidadão –
sendo ‘responsável por’ e ‘responsabilidade de’
todos. Mas enquanto está na barriga da mãe é de responsabilidade apenas
dela.
E porque Soares atrela a palavra
“vida” apenas aos bebês, como se as próprias grávidas não estivessem vivas?
Ao meu ver a preocupação
principal deveria ser se a mulher estar APTA a ter filhos. E com “estar apta”
eu entendo como principal a sua própria motivação e vontade de cuidar de
um filho. Sem motivação e vontade não conseguimos gerir nada a longo prazo, desde
um curso, um trabalho até uma família. Logo, quando essas pessoas defendem a
vida em primeiro lugar, eles precisam definir melhor o que entendem como vida e
sua noção sobre a qualidade dessa vida. Quem sabe não seria melhor se eles
utilizassem a terminologia “parto” no lugar? Pois elas se preocupam que o bebê
saia com vida do corpo da mulher, contudo o destino que terá daí para frente
não é tão inquietante. Mas é claro, levantar uma bandeira com a inscrição: “Nossa
obrigação primeira é com o parto”, ia deixar claro que entende-se o corpo da
mulher como mero objeto ou “ponte” - destituída de vontade - do qual o feto se utiliza para crescer e
chegar a esse mundo.
No final das contas você notou que não tem
nenhuma mulher médica opinando sobre o assunto?
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