Lourenço Mutarelli -18 de abril de 1964 -Brasileiro
(Tinha que ser ariano igual a mim...)
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Tenho que
começar admitindo a minha resistência aos brasileiros, escritores brasileiros,
sabe? Tenho dificuldade com o linguajar nativo. Não só com a linguagem, o
problema é que todas as histórias me parecem reais demais, como coisas que
posso vivenciar no dia-a-dia, ou experimentar através da música e da TV brasileiras.
Não é preconceito de forma alguma, tenho mais de uma dúzia de autores
brasileiros na ponta da língua, caso me perguntem sobre bons escritores. O fato
é que leio pra fugir, para esquecer, desaparecer, viajar. A literatura nacional
não me deixa fazer isso. Mesmo que tratem, por exemplo, do Norte ou do Nordeste,
tão distantes espacialmente de mim, ainda é como se falassem de mim, essas
regiões me são próximas na essência. Essência de brasileira.
Mas não
faz tempo eu aprendi que todos os paradigmas que vivem em mim existem apenas
para serem quebrados. E tinha que ser por um paulista, eu sabia que seria assim.
Lourenço Mutarelli é o nome daquele que conseguiu com mais destreza enfraquecer
meu paradigma.
Com
o lindo livro ‘O Natimorto’. Esse eu não comprei, peguei emprestado, e sabe aquela
vontade de não devolver? Porque eu me apego. Não quero comprar um outro novinho
em folha, quero justamente esse com que eu já me envolvi. Mas não o roubarei,
pois ainda resta um fiozinho de fibra moral nesse ser cleptomaníaco de livros.
Voltando
ao livro... Se eu tivesse que defini-lo em uma palavra, ela seria:
originalidade. Além de escrever muito bem, de forma clara e instigante, o autor
é bastante criativo. Ele joga os clichês fora, e cria diálogos levemente
nonsenses dos quais eu adoraria participar. É um livro breve com uma história
curta, 133 páginas de diálogos inteligentes, sagazes e bem escritos. Não há
muitos personagens na história, e nenhum deles tem nome, nem mesmo os
protagonistas ( O Agente e A Voz).
A história
tem inicio com ele, O Agente buscando a Voz na rodoviária. A Voz é uma cantora
lírica e ele...bem....é o seu agente. Ela intenta por intermédio dele ser
apresentada ao Maestro, o qual ela espera fazê-la famosa. Os dois acabam se
hospedando juntos em um quarto de hotel, trocando conversas surreais. A base da
trama gira em torno de um aspecto peculiar: o Agente diz ser capaz de ler a
sorte na fotografia dos maços de cigarro, como se essas fossem cartas de tarô.
E acaba ficando obcecado nisso. Sem que ela perceba, o Agente envolve a Voz,
trazendo-a para sua realidade corroída, traumática, esotérica e em crise.
Muitos
trechos são escritos em formato de poesia, com frases curtas e pausadas, como
se para darem o tom da cabeça devaneante do Agente. Como se as cenas e os
sentimentos que ele narrasse aos seus olhos fossem poesias, momentos oníricos.
Paro
Espero
em círculos.
Fumo
em círculos.
Solto fumaça.
A porta
permanece
fechada.” (pág 50)
Adorei as partes em que ele recorre às
frases dos maços de cigarro, para gerar uma espécie de pausa chistosa entre os
diálogos:
“Permaneço de pé
Fito os padrões do tapete.
Estranhos padrões.
Talvez,
advertências.
E, mesmo cientes de que “Crianças começam a fumar ao
verem os adultos fumando”,
fumamos.” (pág 20)
Através de um noir leve, Mutarelli
nos fala do mistério que pode habitar o ser humano. As loucuras e paranóias que
podem estar escondidas em pessoas que ao primeiro olhar podem parecer fascinantes.
Sabe que se a gente parar para pensar nisso, fica louco, né? Eu só gostaria que o
livro fosse um pouco mais longo (somadas as horas de leitura creio não terem
passado cinco) sendo assim não tenho muito mais sobre o que discorrer. A
leitura em si é que é o agradável, entrar em contato com essa criatividade
louca e espirituosa do Mutarelli. Obviamente que não vou contar, mas o final também
é surpreendente.
E como promessa é dívida e
“O fumo/furto causa infarto de coração”. O livro será devolvido ao seu
respectivo dono.
Vou perguntar
quantos quilos ele pesa... (piadinha interna, leia o livro que você entende).
Primeira página do livro |
Se por acaso decidir afanar esse livro, como compartilho da crença e da doença não só não vou mal julgar como também quererei lê-lo com esse sabor, e prometo devolvê-lo, não que haja outra opção se bem conheço seu zelo obsessivo por esses tesouros.
ResponderExcluirSaudade das nossas conversas, apesar de compreender a sua distância.
Parabéns pelo post, inspirador de desejos.