quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Ángela Vallvey
Nenhum deles era feliz. Demasiada solidão - ou frustração, ou informação, ou ressentimento, ou repressões ou medo - todos os tinham em graus distintos, paralisados e confusos ante a estranha intensidade que supõe
viver, a trágica imprecisão de um fato tão sensível e também tão extraordinário.
terça-feira, 29 de outubro de 2013
A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas – Maria José Silveira
Eu me atraso. Nos últimos dias ando sempre atrasada, correndo pelas ruas do Rio, tão
rápido que é de botar inveja em atleta. Naquele dia não era diferente até que, em frente à
estação da Carioca esse livro me golpeou bem nos olhos. Parei de chofre (mesmo sabendo
que não podia) admirei a capa, li seu verso, acendi um sorriso, abri, folheei, li a primeira
página e senti: que ele era meu. Já fazia parte de mim. Retirei uma simplória nota da carteira
e o levei comigo, para me acompanhar no metrô. Que vida bonita essa, que ainda é capaz de
nos trazer alegrias imprevisíveis e felicidade quase gratuita. Em pensar que levou apenas
cinco minutos para atingir essa sensação, que perduraria enquanto esse lindo livro estivesse apoiado
no meu colo, até o virar da última página.
A beleza do livro A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas consiste em reescrever uma
espécie de genealogia brasileira - a partir da história de mulheres que habitaram terras
tupiniquins desde os primórdios até os dias atuais – fazendo um retrato das mesclas
raciais, dos hábitos, costumes, das dificuldades e das riquezas que foram lentamente
compondo o que viria a se tornar o povo brasileiro. Tendo mulheres como fio condutor. Não são poucos os livros sobre
História do Brasil, mas raros são aqueles que utilizam o ponto de vista feminino para
contar o passado. A maioria emprega um olhar masculino - construindo uma visão
unilateral - apagando assim, um pedaço dos nossos hábitos, tradições e memória – como
se fosse possível um país se reproduzir e desenvolver sendo habitado apenas por homens.
Maria José Silveira - autora |
Que não a
minha surpresa e deleite ao deparar com uma narrativa que inclui a mulher como ser
ativo e construtor do passado histórico que é meu e seu. Enfim, de todos nós brasileiros,
que somos (perdoem o trocadilho) todos filhos-das-mães. Obviamente, que a história é ficcional - não estamos falando de nenhum livro didático de história aqui. O que, de nenhuma maneira o desqualifica, muito pelo contrário. Se nas escolas a história fosse ensinada utilizando um viés lúdico, acredito que nossa identificação seria maior, e consequentemente a assimilação do conteúdo seria melhor. A contextualização no aprendizado da história é importantíssimo, porque é necessário entender que o 'hoje' é uma continuação do 'ontem'. A história sempre se repete, reinventa e modifica e por isso é ela quem melhor pode nos ajudar a entender o presente.
há séculos em mim:
números, nomes, o lugar dos mundos
e o poder do sem fim.
Cecília Meireles, "Trânsito"
Às vezes é fácil esquecer que descendemos de uma mistura de índio, com português, holandês, espanhol, italiano, sueco, francês, africano etc. e tal. Quantas linhagens se cruzaram e separaram ao longo do tempo! Podemos ter antepassados comuns com pessoas com quem cruzamos nas ruas, no trabalho, no ônibus, na boate, na faculdade... E essa descendência só foi possível, porque existiram mulheres capazes de se embrenhar no mato, desbravar sertões, plantar, colher, criar gado, extrair ouro, vivendo em condições tão difíceis e árduas quanto a dos homens. Mulheres que foram capazes de se entregar ao amor. Mas que também foram escravizadas, exploradas, estupradas, assassinadas, e que ainda assim foram capazes de gestar, parir e cuidar de seus numerosos filhos. Esse é o banho de realidade que levamos com o livro de Maria Silveira.
Mas engana-se quem pensa que o livro trata sobre a maternidade como fim. Poderíamos
entendê-la nessa obra como o meio, um pano de fundo, um fio sobre o qual a autora
foi trançando a história das famílias brasileiras através dos tempos: desde a primeira
indiazinha Inaiá em 1500 até a moderna Maria Flor no ano 2000. É possível acompanhar Tebereté que engordou o holandês (pai da sua filha) só para servir de refeição ao seu ímpeto
caníbal, ou Filipa que foi escrava numa fazenda de cana e foi brutalmente assassinada, também Ana de Pádua menina interesseira mais inocente morreu sem nunca conquistar seu sonho, a namoradeira Açucena Brasília que se tornou patrimônio da vila onde morou e ainda Jacira Antônia mulher forte e decidida que criou gado
no Centro-Oeste e manteve a riqueza e equilíbrio da família após a morte precoce do esposo. Assim como fala a própria autora nas primeiras linha do livro:
Se é assim, que vocês querem, vamos contar a história das mulheres da família.
Mas vamos contar com calma.
O assunto é delicado, a família é complicada, e nem tudo foi beleza nesta história. Houve, claro, felicidades e amores, muitas lutas e conquistas, grandes realizações - afinal, elas ajudaram a construir quase do nada este país. Mas houve também loucas, assassinas, muitas desgraças e tristezas. Grandes dores. Muitas mesmo.
Com uma narrativa leve, bem humorada e cativante, Maria Silveira vai mesclando
imaginação com dados históricos o que faz do livro nem um tratado histórico nem uma
literatura completamente ficcional, mas uma mistura dos dois. Mais brasileiro impossível.
A fotografa Civone Medeiros retratou a força da mulher sertaneja. |
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