William Saroyan (1908-1981) Americano |
O que você
esperaria de um livro chamado A comédia humana? Uma descrição
irônica do ser humano? Um relato sobre a desgraça alheia? Uma colocação mordaz
da maldade dos homens? Nada disso. Nem de perto. William Saroyan. William
Saroyan é um grande otimista, meus caros.
A verdade é
que esse livro publicado pela primeira vez em 1942 poderia e
ao mesmo tempo jamais poderia ser sobre a desgraça humana.
Porque embora o pano de fundo seja a guerra (o que há de pior no homem), o
livro relata justamente o oposto. Ele mostra pessoas que conseguem sobrepor a
maldade com amor. Quer tema mais poderoso que esse? Portanto, no final das
contas eu acho que o livro tem esse nome porque o seu autor é tão otimista que não poderia nomear um livro seu, como A desgraça humana,
por exemplo.
Apresentando
a história
O livro trata da família americana
Macauley, constituída pela mãe (Mrs. Macauley), um filho mais velho (Marcus),
um filho do meio (Homero), uma filha (Bess) e um filho menor (Ulisses). O pai
morreu quando Homero – o personagem central – ainda era pequeno. Quando o irmão
mais velho Marcus é enviado para a Guerra, Ulisses começa a trabalhar como
estafeta do telegrafo local, a cidadezinha de Ítaca, Califórnia. Em volta de
Homero existem muitos outros personagens interessantes, que sempre ensinam algo
para o menino. Acredito que uma boa maneira de apresentar os personagens seria
colocando uma frase de cada um, então lá vai:
Mrs. Macauley (a mãe)
– “Você deve dar a todos que entrarem em sua vida. Então, nada nem ninguém terá
o poder de privá-lo de alguma coisa, pois, se você der a um ladrão, ele não
poderá roubar de você, e ele próprio já não será um ladrão. E, quanto mais você
der, mais terá para dar.” (pág.24)
Bess (a irmã) – “Acho que
não temos cortiços em Ítaca – disse Bess -, só gente pobre. Acho que temos uma
espécie de governo municipal, mas me parece que a politicagem por aqui é bem
pouca.” (pág.117)
Homero (o
personagem principal) – “Vou ficar vigiando o tempo todo. Vou ficar pensando a
respeito disso o tempo todo. Isso faz um camarada se sentir triste, mas não me
importo. Somos uma gente feliz, é verdade, mas somos resistentes também. Não me
importo de ficar triste. Importo-me a respeito de gente que não é resistente e
que fica triste e magoada, e me parece que o mundo está cheio de gente assim.”
(pág 133)
Mr. Spangler (o
gerente da agência telegrafica) – “Os cemitérios e as penitenciárias estão
cheios de bons rapazes americanos que têm tido má sorte e dias infelizes. Não
são criminosos.” (pág 139)
Mr. Grogan ( o
telegrafista) – “ Ninguém morre por nada.Todos
morrem procurando a graça, a imortalidade, procurando verdade e a
justiça,e, um dia, esse grande corpo do homem, que somos todos nós, sem
qualquer exceção, conseguirá o que quer (...)” (pág 123)
Miss Hicks (a
professora) – “Antes que você avance muito no mundo, muitas vezes ouvirá
gargalhadas, e não só gargalhadas dos homens, mas o riso de mofa das próprias
coisas, procurando embaraçá-lo e fazê-lo recuar; mas sei que você não prestará atenção a esse riso.” (pág 72)
Auggie (o
jornaleiro) – “Quantos anos a gente tem de ter para não ser mais criança? –
disse Auggie. – Quantos anos a gente tem de ter para poder tomar conta de si
próprio, ou para fazer qualquer trabalho que queira?” (pág 94)
John (o
estrangeiro/assaltante) – “Sempre fui inquieto e insatisfeito – disse o rapaz. –
Não sei o que é. Nada tem significação para mim. Não gosto dos outros. Não
gosto de estar perto deles. Não confio neles. Não gosto da maneira por que
vivem ou falam, ou das coisas em que acreditam, ou da maneira porque se
empurram uns aos outros.”(pág 140)
Lionel
(amigo de Ulisses) – “ A gente não pode saber o que diz um livro, Ulisses, a
não ser que saiba ler, e eu não sei ler – disse ele.” (pág 187)
Minhas impressões:
Como sempre
eu não sabia do que se tratava a história do livro, o autor não me foi indicado
por ninguém que não o Bukowski, que vez ou outra citava o seu nome. Mas hoje
posso afirmar que esse livro está no hall das obras primas americanas para mim.
A escrita do Saroyan é leve, simples e bem organizada. Na leitura, o sentimento
que prevaleceu foi a felicidade. Embora ele me tenha feito pensar em todo esse
horror que é a Guerra, um tipo de acontecimento que não interessa a nenhum
cidadão, um melindre no qual os verdadeiros interessados nem chegaram a sentir o
cheiro das trincheiras.
Homero possui
um modo simples e positivo de encarar a vida. Tendo um irmão na guerra e estudando
e trabalhando ao mesmo tempo para sustentar a família, o menino de 14 anos não
se sente injustiçado. Ao contrário, Homero se sente feliz por poder ajudar, e
pedalar para cima e para baixo entregando cartas e conhecendo pessoas. Embora
sofra muito ao entregar as cartas do Ministério da Guerra, um tipo de
informativo de morte entregue às famílias. Os trechos em que ele pedala e
chora, pedala e chora, ainda são cenas nítidas comigo. A dor, o trabalho e a
guerra fazem o pequeno Homero amadurecer. Um pouco como a adolescência de
qualquer um: o primeiro contato com a maldade: você remexe a coisa, mas ainda
não sabe bem no que está mexendo.
Outra lição
é a maneira como a família Macauley lida com a morte. Pois o falecimento do pai
não soa como um evento traumático na vida familiar, já que a mãe faz questão de
deixar claro que o pai está com eles, que a presença pode ser sentida e que um
dia todos se reunirão no céu. Aliais, eu juro por Deus, que se minha mãe fosse
como a Mrs. Macauley eu seria uma mulher muito mais sã hoje em dia. Muitas
vezes me deu vontade de levar o livro até a minha mãe e falar para ela: _ Lê isso aqui! Olha como ela fala!_ Porque
você não é assim? – Mas tudo bem eu entendo que a Mrs. Macauley é uma
personagem saída da cabeça do Saroyan (teoricamente ela é o próprio Saroyan),
então eu acho que pegaria um pouco mal pedir pra ele ser minha mãe.
Em suma, o
mais legal do livro inteiro é que a lição permanente sobre o otimismo e a
bondade dos personagens não parece uma bobagem sentimental. Muito pelo
contrário, é a bondade que literalmente salva essas pessoas. As salva da morte,
da dor, do medo, enfim da própria infelicidade. O ódio e o medo são como doenças
contagiosas e duradouras, portanto resistir e assumir a bondade como uma
bandeira, não é algo fácil de se fazer. Um dos trechos que mais me marcaram
nesse sentido foi esse aqui.
Admito que não foi fácil tirar de mim a sensação de que aquelas atitudes e
palavras eram absurdas, e ao mesmo tempo o que desejava para o mundo é que
todos os seres humanos fossem e se tratassem assim.
Enfim, os
tempos de Guerra foram difíceis. Acho que eu e a minha geração não podemos
sequer calcular o nível da devastação psicológica, física, social, econômica e
cultural que ela representa. Portanto, uma família que em meio a Segunda Guerra
Mundial, após a perda do pai, e com um filho no campo de batalha ainda consegue
manter o caráter, o respeito e o amor pelo próximo é um tanto assustador. É ao
mesmo tempo uma lição de moral pelo exemplo, e uma espécie de utopia para os
tempos modernos.
Obrigado
pela lição de otimismo Saroyan, pois apesar de você ter me deixado envergonhada
pela minha fraqueza, você me ensinou umas coisas e outras sobre a felicidade.
“Se um homem não chorou
diante da dor do mundo, ele é menos que o pó por onde anda, pois o pó nutre a
semente, a raiz, o caule, a folha e a flor, mas o espírito do homem sem piedade
é estéril e nada pode produzir... ou produz só orgulho que mais cedo ou mais
tarde levará ao assassínio de uma ou outra forma... o assassínio das coisas ou
mesmo o assassínio de vidas humanas.” (pág 173)